I SÉRIE — NÚMERO 108
20
A carta de Vítor Gaspar é a carta de um homem derrotado, é a confissão de quem, ao fim de dois anos, se
confronta com o falhanço de tudo aquilo que foi defendendo. Mais do que um mar de desempregados e do
endividamento recorde, saber que a austeridade apenas oferece como saída mais austeridade, ainda mais
desempregados e mais dívida. Preso na sua própria ratoeira, Vítor Gaspar bateu com a porta.
A imagem da tomada de posse, ontem, é o momento simbólico da farsa em que a direita se tornou e para a
qual quer arrastar o País, se, entretanto, não for parada.
O proclamado institucionalista Cavaco Silva deu cobro a uma impostura, como há muito não se via na
política portuguesa. Uma ministra que sabia que não era ministra, de um Governo que sabe que já não é
Governo, foi empossada por um Presidente da República que 90 minutos antes ameaçava a oposição a
apresentar uma moção de censura a um Governo que já não era Governo.
A resposta da Comissão Europeia, em todo o caso, também merece umas palavras. Diz a Comissão que
foi surpreendida com a rapidez da deterioração da situação política em Portugal. É a derradeira prova de que
há sempre quem teime em nada aprender.
O que os eventos deste dia mostram, por muito que custe a Durão Barroso, ao BCE e ao FMI, é que a
violenta engenharia social a que deram o nome de austeridade — tentando comprimir, em dois ou três anos,
os direitos sociais, laborais e rendimentos conquistados em gerações — é incompatível com a democracia.
Vozes do BE: — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — A chantagem contra a democracia e contra as eleições em Portugal, em
que agora embarcam, lembra perigosamente a chantagem feita contra a Grécia. É bom que arrepiem caminho!
Sim, há uma crise política em Portugal, e não começou esta semana! É a crise política gerada pelo
falhanço de todas as metas anunciadas pela austeridade.
Sim, o Governo ruiu, porque já não tinha base de apoio nem condições políticas para a continuação do seu
programa de reconfiguração da relação entre trabalho e capital.
Que no dia em que o Governo se esfrangalha, um dos seus secretários de Estado ache que tem condições
para alterar as regras laborais na função pública diz tudo sobre a obstinação da direita. E que, ontem, Paulo
Portas, demissionário, tenha recusado a aterragem do avião do Presidente da Bolívia, Evo Morales, diz tudo
sobre um Governo que envergonha o País, a mancha negra de quem não sabe o que é soberania e obedece,
cegamente, a qualquer instrução internacional.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.as
e Srs. Deputados: O estado de negação a que chegaram Pedro
Passos Coelho e Paulo Portas, na hora terminal do Governo, só tem paralelo na dimensão da destruição que
impuseram ao País.
Neste momento de pântano, é bom não esquecer o essencial: não foi por birras ou amuos que esta
coligação acabou. Se foi a política que ditou o fim do Governo, vamos, então, à política e à responsabilidade
pelo destino coletivo do País.
PSD e CDS levaram a dívida pública a novos máximos — o FMI prevê atingir os 140% do PIB —, ao
mesmo tempo que provocaram um empobrecimento sem paralelo à generalidade da população. O défice está
em 10,6% e o desemprego atinge mais de 1,5 milhões de pessoas. A cada execução orçamental o desvio é
maior. Falharam! Falhou a austeridade e, por isso, o Governo acabou!
O falhanço tem como consequência a falta de credibilidade, interna e externa. Já ninguém acredita em
nada do que o Governo diga, anuncie ou faça. Prometeram a recuperação e levaram à bancarrota. Uma
coligação incapaz de ter a confiança do País e dos partidos que a sustentam, incapaz mesmo de estabelecer
relações mínimas de confiança entre os seus ministros, é uma coligação morta.
Um Governo sem credibilidade, contestado pela população, que conseguiu uma unanimidade nunca antes
vista contra a sua política, que viu as maiores mobilizações populares do País desde o 25 de Abril, que foi