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I SÉRIE — NÚMERO 108

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A carta de Vítor Gaspar é a carta de um homem derrotado, é a confissão de quem, ao fim de dois anos, se

confronta com o falhanço de tudo aquilo que foi defendendo. Mais do que um mar de desempregados e do

endividamento recorde, saber que a austeridade apenas oferece como saída mais austeridade, ainda mais

desempregados e mais dívida. Preso na sua própria ratoeira, Vítor Gaspar bateu com a porta.

A imagem da tomada de posse, ontem, é o momento simbólico da farsa em que a direita se tornou e para a

qual quer arrastar o País, se, entretanto, não for parada.

O proclamado institucionalista Cavaco Silva deu cobro a uma impostura, como há muito não se via na

política portuguesa. Uma ministra que sabia que não era ministra, de um Governo que sabe que já não é

Governo, foi empossada por um Presidente da República que 90 minutos antes ameaçava a oposição a

apresentar uma moção de censura a um Governo que já não era Governo.

A resposta da Comissão Europeia, em todo o caso, também merece umas palavras. Diz a Comissão que

foi surpreendida com a rapidez da deterioração da situação política em Portugal. É a derradeira prova de que

há sempre quem teime em nada aprender.

O que os eventos deste dia mostram, por muito que custe a Durão Barroso, ao BCE e ao FMI, é que a

violenta engenharia social a que deram o nome de austeridade — tentando comprimir, em dois ou três anos,

os direitos sociais, laborais e rendimentos conquistados em gerações — é incompatível com a democracia.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — A chantagem contra a democracia e contra as eleições em Portugal, em

que agora embarcam, lembra perigosamente a chantagem feita contra a Grécia. É bom que arrepiem caminho!

Sim, há uma crise política em Portugal, e não começou esta semana! É a crise política gerada pelo

falhanço de todas as metas anunciadas pela austeridade.

Sim, o Governo ruiu, porque já não tinha base de apoio nem condições políticas para a continuação do seu

programa de reconfiguração da relação entre trabalho e capital.

Que no dia em que o Governo se esfrangalha, um dos seus secretários de Estado ache que tem condições

para alterar as regras laborais na função pública diz tudo sobre a obstinação da direita. E que, ontem, Paulo

Portas, demissionário, tenha recusado a aterragem do avião do Presidente da Bolívia, Evo Morales, diz tudo

sobre um Governo que envergonha o País, a mancha negra de quem não sabe o que é soberania e obedece,

cegamente, a qualquer instrução internacional.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.as

e Srs. Deputados: O estado de negação a que chegaram Pedro

Passos Coelho e Paulo Portas, na hora terminal do Governo, só tem paralelo na dimensão da destruição que

impuseram ao País.

Neste momento de pântano, é bom não esquecer o essencial: não foi por birras ou amuos que esta

coligação acabou. Se foi a política que ditou o fim do Governo, vamos, então, à política e à responsabilidade

pelo destino coletivo do País.

PSD e CDS levaram a dívida pública a novos máximos — o FMI prevê atingir os 140% do PIB —, ao

mesmo tempo que provocaram um empobrecimento sem paralelo à generalidade da população. O défice está

em 10,6% e o desemprego atinge mais de 1,5 milhões de pessoas. A cada execução orçamental o desvio é

maior. Falharam! Falhou a austeridade e, por isso, o Governo acabou!

O falhanço tem como consequência a falta de credibilidade, interna e externa. Já ninguém acredita em

nada do que o Governo diga, anuncie ou faça. Prometeram a recuperação e levaram à bancarrota. Uma

coligação incapaz de ter a confiança do País e dos partidos que a sustentam, incapaz mesmo de estabelecer

relações mínimas de confiança entre os seus ministros, é uma coligação morta.

Um Governo sem credibilidade, contestado pela população, que conseguiu uma unanimidade nunca antes

vista contra a sua política, que viu as maiores mobilizações populares do País desde o 25 de Abril, que foi