I SÉRIE — NÚMERO 108
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A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Nem o Sr. Primeiro-Ministro percebe, nem, até agora, um Presidente
da República, que durante dois anos perdeu todo o capital político que tinha acumulado ao longo dos últimos
oito anos em Belém! Sr. Presidente da República, descole-se do Governo e recupere o seu cargo!
Aplausos do PS.
O País não percebeu qual o limite do insulto que tem de suportar de quem chama missão a uma
obstinação usando os supostos sacrifícios dos portugueses, que terão, imagine-se, valido a pena. O
comunicado do Primeiro-Ministro foi tão divorciado do País que parecia um sacerdote a pregar em Marte, e os
portugueses aqui.
Este Governo valeu a pena, pois claro.
Recordemos: a direita, apenas por sede de poder, não achou grave a crise das dívidas soberanas. Havia
que assaltar o poder para desfazer o Estado social.
Vou exemplificar com a função pública, que é como quem diz com o Estado social.
Demorou a construir uma Administração Pública que existe para servir os cidadãos: apenas os funcionários
públicos estão vinculados a princípios dos quais se destaca o da prossecução do interesse público, porque
são os rostos das funções do Estado; nada há de político no exercício da função pública, o funcionário está
apenas ao serviço do interesse geral; funcionário público é um modo específico de exercer a profissão.
Ficou claro, ao fim de dois anos, que a austeridade expansionista, derrotada sucessivamente em todos os
objetivos, tinha inimigos a atacar: os funcionários públicos, o que é simultaneamente um ataque à
Administração Pública e ao Estado social.
O Memorando foi elevado a programa de Governo para sustentar um conceito experimentalista: o
liberalismo policial. Havia que romper a sociedade num discurso manipulador, o do alegado excesso do peso
do Estado e o das regalias extraordinárias dos diabólicos funcionários públicos.
O discurso governativo imoral tentou fraturar o País, na esperança que do resultado pretendido de
acusações mútuas, viesse a legitimidade para cumprir um programa ideológico que enterra a história da
social-democracia e a história da democracia-cristã.
Acontece que as pessoas sabem do discurso sem som escondido pelo discurso oficial, porque as pessoas
não sentem que há médicos a mais, não sentem que há professores a mais; antes, sentem que, na alegada
despesa do Estado, está a sua disponibilidade financeira, pensam na receita que significa nas suas vidas
haver quem traduza a sua segurança, a sua saúde pública, a sua velhice, a sua escola pública, o Estado
social.
As pessoas sabem que quem está a mais é o Governo, e ontem assistiram à sua queda em direto. À queda
de um Governo que chama reforma do Estado a um número que implode com o Estado social, com
consequências recessivas gravíssimas.
O Governo usurpa inconstitucionalmente retribuições aos funcionários públicos, mas insiste e faz das férias
dos mesmos, devidas em junho por lei, uma guerra vingativa das decisões do Tribunal Constitucional.
Pacificamente, anuncia, em junho, que não há junho e ignora a proposta do Secretário-Geral do Partido
Socialista.
Um Governo absolutamente ajurídico, que despreza princípios elementares, como o da tutela das
expetativas jurídicas.
O ataque à função pública, mascarado de eufemismos baratos, esquece que só uma Administração Pública
estável é compatível com o dever de adstrição total ao interesse público. Só entendendo isto é que se permite
libertar do aparelho governativo, por exemplo, consultores externos pagos a peso de ouro, precisamente sem
vinculação aos princípios que vinculam os funcionários públicos.
Portugal não tem excesso de funcionários públicos, como é sabido! Se tivesse, não teria a direita instalado
um sistema de escravatura punitiva dos beneficiários do rendimento social de inserção, confundindo prestação
social com retribuição.
Chega de engendrar uma espécie de despedimentos «à grega» que o Governo prepara antecipando o
inimigo — o Tribunal Constitucional.
Esta arrogância permanente tem efeitos em pessoas concretas, pessoas que têm as suas vidas como as
demais e que também contam para o desemprego e para capacidade de consumo interno, imagine-se…