I SÉRIE — NÚMERO 10
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O presente Decreto-Lei permite, desde já, a entrega do setor dos resíduos sólidos a entidades privadas e
concretiza a sua autonomização no Grupo Águas de Portugal. Há possibilidade de lucro? — é a questão. Há,
sim. Como há possibilidade do lucro e como o negócio dos resíduos é um negócio apetecível, entrega-se aos
privados. É este o lema e a prática do Governo.
Quanto ao regime de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, de tratamento e de
distribuição da água, o objetivo é exatamente o mesmo. A fusão dos sistemas multimunicipais, prevista neste
Decreto-Lei, visa ganhos de escala, dizem os Srs. Deputados da maioria. É verdade, visa ganhos de escala,
mas só para os privados que vierem a entrar no sistema, nada mais. Trata-se de preparar o sistema para
depois vir outra medida legislativa e, então, a privatização ter, de facto, muitos ganhos de escala e, sobretudo,
de lucro.
O Decreto-Lei subalterniza os municípios, Sr. Ministro — gostava que se pronunciasse sobre esta matéria
—, e relega-os para o papel de simples emissão de parecer, sem dizer, sequer, qual é a consequência do
parecer. O município é chamado a dar parecer, tem 45 dias para o fazer. E depois, Sr. Ministro? Se todos os
municípios disserem que não estão de acordo, como é?
Em resumo, é um Decreto-Lei que abre as portas aos privados num setor fundamental, que não respeita as
competências dos municípios e que terá como consequência óbvia o aumento das tarifas. Aliás, o Governo
tem tomado várias medidas nesse sentido, inclusivamente aquela célebre medida que ainda cá está, mas que
consta dos estatutos da ERSAR: a ERSAR é que define as tarifas, retirando essa competência a quem é
eleito, que é uma coisa completamente inacreditável e que espero que o Sr. Ministro não acompanhe.
Como temos dito desde o início, é um puzzle gota a gota, mas fica clara a intenção do Governo. E não é
uma questão de semântica, Sr.as
e Srs. Deputados, Concessionar é mesmo privatizar.
Por isso, o Bloco de Esquerda acompanha as apreciações parlamentares do PCP e do PS e apresenta um
projeto de resolução no sentido da cessação de vigência deste Decreto-Lei.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Altino Bessa.
O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, começo por cumprimentar o Sr.
Ministro e desejar-lhe as melhores felicidades para o cargo que ocupa, dado que ainda não tinha tido
oportunidade de o fazer.
Esta história do Grupo Águas de Portugal é longa, não começou agora. Quando, há cerca de dois anos e
meio, este Governo assumiu funções, o Grupo Águas de Portugal não era nada mais, nada menos do que o
espelho daquilo que era o setor do Estado; não era nada mais, nada menos do que uma empresa, do ponto de
vista económico-financeiro, completamente desestruturada; não era nada mais, nada menos do que uma
empresa com mais de 3000 milhões de euros de endividamento; não era nada mais, nada menos do que uma
empresa com o défice tarifário de mais de 500 milhões de euros; não era nada mais, nada menos do que uma
empresa a quem os municípios deviam mais de 550 milhões de euros.
E o que o Partido Socialista faz, depois de entregar o País nas condições que entregou a este Governo, e
neste caso concreto também, é não apresentar nenhuma solução. Não tem nenhuma solução para este
problema, como não tem nenhuma solução para o País. Então, vem pedir, em conjunto com o PCP, a
apreciação deste Decreto-Lei para a cessação da sua vigência, até com um sem fim de falsidades, porque,
efetivamente, o que este Decreto-Lei nos traz é a entrada no setor privado do Grupo Águas de Portugal, mas
no que diz respeito à EGF (Empresa Geral de Fomento, SA), a parte dos resíduos.
Relativamente ao setor da água — que isto fique muito bem claro —, à titularidade do bem público água,
esta maioria, o CDS e este Governo somos contra a privatização da água, somos contra a privatização deste
setor — que isso fique muito bem claro.
Quanto à concessão de vários setores e do setor dos resíduos, efetivamente a entrada de privados é
possível. Quando falam na concessão de privados em alguns sistemas de abastecimento de água, convém
lembrarmo-nos, por exemplo, de Setúbal, onde a água está concessionada a privados há mais de 10 anos.
Nunca resgataram essa concessão, e já o podiam ter feito.