4 DE OUTUBRO DE 2014
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A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Ah!
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Não é «ah!», Sr.ª Deputada!
Mas fica por explicar — e talvez isso a Sr.ª Deputada possa fazer — por que razão esse ganho não se
refletiu, de modo evidente, por exemplo, na fatura dos hospitais.
A contabilidade mais importante a fazer, quando se fala de cuidados de saúde, é aquela que envolve
pessoas — e pessoas que necessitam de cuidados. Ora, essa ainda não foi feita e presta-se a várias
interpretações.
A insuficiência económica é, hoje, um tema comum em diversas consultas. Há casos descritos em todo o
País. E, como dizia um médico de medicina geral e familiar, as situações identificadas seguem já um padrão
preocupante. São muitas as preocupações que os doentes transmitem nas consultas e que os médicos
ouvem: «Sr. Doutor, não fiz o tratamento como está combinado pois não consegui pagá-lo na totalidade» ou
ainda «tive de deixar parte dos exames que o Doutor passou para fazer daqui a um mês, depois de receber o
próximo ordenado».
Longe da estatística fria, e tantas vezes demagógica, estão as pessoas, que também adoecem por isso,
por estarem mais angustiadas, e com mais frequência. A taxa de prevalência de perturbações psiquiátricas e a
taxa de incidência da depressão têm aumentado, e não é por acaso. A crise tem um impacto real na saúde
mental e na saúde geral dos portugueses. O Governo português, perante este cenário, respondeu com
silêncio, ou, na melhor das hipóteses, com políticas já adotadas.
Sr. Ministro, é urgente tomar medidas excecionais. V. Ex.ª dizia, nas comemorações dos 35 anos do SNS,
que era preciso assumir a política de saúde como uma das áreas prioritárias da governação. Força, Sr.
Ministro!
A reforma dos cuidados de saúde primários sofreu um abrandamento desnecessário. Podíamos estar
melhor se o Governo tivesse confiado e investido nos cuidados de proximidade e na qualidade do modelo de
organização das USF (unidades de saúde familiar), com a livre iniciativa dos profissionais e com elevado grau
de satisfação dos mesmos e dos utentes. O relatório do Tribunal de Contas diz até que são sustentáveis.
A passagem da troica por Portugal prestou-nos ajuda financeira mas não nos trouxe o que mais
precisamos: mais dignidade pela vida humana.
De facto, neste momento, cerca de 40% dos cidadãos estão em risco de pobreza e mais pobreza equivale
a mais doença. É uma evidência.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Os doentes sem dinheiro abandonam a medicação; o aumento brutal das taxas moderadoras nos serviços
de saúde não moderou nada, antes impediu a procura de cuidados, e não esqueçamos que nestes isentos de
que tanto falam estão os desempregados.
As urgências nos hospitais, e não só as falsas urgências, baixaram cerca de 40% por carências de
dinheiro.
Falar do acesso à inovação não é simplesmente falar em estimativas de investimento. É preciso garantir
que os doentes portugueses tenham acesso a essa mesma inovação e o exemplo paradigmático é o da
hepatite C: foi anunciado que seriam tratados cerca de 150 doentes mais graves, mas, segundo peritos
clínicos da área, é preciso curar — e neste caso é curar, porque se trata de uma inovação disruptiva — cerca
de 1000 doentes. Que critério é este, Sr. Ministro? Espanha já resolveu, Itália já resolveu, França também. E
Portugal? Já há muito que foi ultrapassado o prazo.
O discurso de V. Ex.ª nas comemorações dos 35 anos do Serviço Nacional de Saúde acrescenta-lhe mais
responsabilidade para o orçamento da saúde. O próximo orçamento é uma expetativa que temos da sua
atuação enquanto Ministro da Saúde. Mas, Sr. Ministro, se persistirmos nos erros do presente, ficamos sem
futuro.
Aplausos do PS.