I SÉRIE — NÚMERO 10
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O Sr. António Filipe (PCP): — A Sr.ª Ministra, quando confrontada com a falta de 1000 funcionários
judiciais, dizia que o Governo, mais do que ninguém, tinha consciência disso. Tinha, mas não resolveu nada!
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Quando foi denunciado o funcionamento de tribunais em contentores, a Sr.ª Ministra disse-nos «esses
contentores são melhores do que muitas instalações que existem para aí». Bom, e nós dissemos «chove
dentro desses contentores» e ela respondeu «mas nos outros tribunais também chove». Também dissemos
«apareceram ratos nos contentores», ao que respondeu um responsável da DGAJ (Direção-Geral da
Administração da Justiça): «Ratos? Não! Foi apenas um ratito!». Portanto, é com esta negação dos problemas
que estamos a viver.
Sr. Deputado Jorge Lacão, o Governo aprovou em Conselho de Ministros um decreto-lei que visa procurar
resolver problemas que a Sr.ª Ministra dizia que não existiam.
A questão que lhe coloco é a seguinte: não considera que, tendo em conta as dúvidas ponderosas de
constitucionalidade que existem sobre a ideia de, por via legislativa, resolver uma matéria que diz respeito a
direitos fundamentais, como é a matéria do acesso aos tribunais, não seria prudente, no mínimo, que o
Governo apresentasse uma proposta de lei à Assembleia da República para que não houvesse dúvidas
quanto à constitucionalidade dessa medida, que é necessária mas, do nosso ponto de vista, insuficiente?
Aplausos do PCP.
O Sr. José Magalhães (PS): — Boa pergunta!
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António Filipe, nem sempre temos a ocasião de
estar de acordo, em várias matérias, mas nesta estamos de acordo, com certeza.
Como sabe, o Partido Socialista, que é um partido com sentido de responsabilidade de governo, não
desata a pedir a demissão de ministros no dia seguinte às suas nomeações, nem a queda do governo só
porque não é o nosso.
Na minha declaração política, tive ocasião de sublinhar que, caso não haja uma resposta concludente para
o problema da falta manifesta de credibilidade e de autoridade política que estamos a viver na área da justiça,
é o Governo que tem de ser fortemente sancionado e o Sr. Primeiro-Ministro, como é natural, tem de ser
fortemente interpelado e responsabilizado por isso.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Isso é uma decisão apressada!
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Não estamos aqui meramente perante o fracasso de uma política em função
de uma determinada orientação de governo, estamos aqui perante algo muito mais grave ainda do que isso,
estamos aqui perante o fracasso do funcionamento de órgãos de soberania, o que afeta drasticamente o
regular funcionamento das nossas instituições democráticas no que à administração da justiça diz respeito.
Portanto, este problema ultrapassa a mera avaliação do grau de cumprimento de um programa político.
Este é verdadeiramente um problema do Estado, e do Estado democrático, que exige, da parte do próprio
responsável do Governo, a noção de que tem aqui uma coresponsabilização política que não pode alienar.
Neste sentido, estou de acordo consigo, Sr. Deputado.
Também gostaria de sublinhar que me parece evidente que a jurisprudência das cautelas que este
Governo manifestamente demonstra não ter, deveria ter conduzido a que uma proposta de lei sobre a
resolução da questão dos prazos fosse apresentada no Parlamento.
Há uma coisa que este Governo sabe: independentemente das divergências políticas e por mais
acentuadas que sejam, os Deputados sabem ter o sentido de responsabilidade de Estado.