I SÉRIE — NÚMERO 31
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efetivamente um atentado aos direitos humanos, sendo que, como se diz, e bem, na exposição de motivos,
atinge sobretudo mulheres e crianças, assim configurando uma gravíssima forma de violência de género.
Afirmo aqui o total empenhamento do Grupo Parlamentar do PSD no combate a todas as formas de
violência, em especial a violência que afeta sobretudo as mulheres pela condição de serem mulheres.
Posto isto, o projeto de lei n.º 664/XII, do Bloco de Esquerda, pretende dar corpo às recomendações da
Convenção de Istambul e introduz algumas alterações que merecem atenção, reflexão e ponderação. Desde
logo, pretende a substituição da expressão utilizada na tipificação dos crimes de coação e de violação, ou
seja, «por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto
na impossibilidade de resistir», pela expressão «sem consentimento». Esta alteração implica um grande
alargamento da previsão objetiva dos atuais tipos de crime coação sexual e violação.
No que ao crime de coação diz respeito, por definição envolve sempre o exercício de violência ou ameaça
à vítima, como decorre do seu tipo-base, pelo que esta alteração é incongruente e contraditória.
No que ao crime de violação diz respeito, mantemos a reserva já expressa aquando da discussão de um
projeto do Bloco de cariz idêntico, que se prende com a introdução de um conceito indeterminado, o não
consentimento, que devemos evitar, mormente no Direito Penal, onde vigora o princípio da tipicidade, e que
pode gerar dificuldades interpretativas e de aplicação da própria lei.
Quanto ao projeto de lei n.º 665/XII, que visa a alteração da natureza do crime de violação, pretendendo o
Bloco que passe a ser considerado um crime público, há que dizer que se considerarmos os números ocultos
desta realidade, aqueles que não contam para as estatísticas e que se estima que sejam o dobro dos números
conhecidos, teremos necessariamente de refletir nesta proposta de alteração. Se, por um lado, esta alteração
pode diminuir de forma sensível as estatísticas dos crimes contra a liberdade sexual, por outro lado por
acarretar para a vítima consequências ainda mais perniciosas do que aquelas decorrem do cometimento do
próprio crime.
A liberdade que se visa acautelar fica depois cerceada ao permitir-se que um terceiro apresente queixa,
ainda que contra a vontade da própria vítima. Isto parece um paradoxo. Será que a vontade do Estado na
descoberta da verdade, ainda que para a obtenção da justiça e para a punição do responsável, se justifica e
deverá suplantar-se à vontade da própria vítima? É uma questão que fica em aberto.
Consideramos que há nestes dois projetos de lei aspetos que merecem melhor ponderação e reflexão, por
isso entendemos que nestas questões de particular sensibilidade todos os grupos parlamentares devem fazer
um especial esforço de consenso, pondo de parte qualquer tipo de estratégia político-partidária que nós
atendemos de todo em todo reprovável. Mas uma certeza nós temos e reafirmamos: os crimes de violação e
coação sexual são crimes hediondos e estas formas de violência nunca são aceitáveis, perdoáveis ou
toleráveis.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa
Anjinho.
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Como tenho sempre afirmado,
nunca é demais falar e colocar na agenda política o tema da violência contra a mulher.
Todos bem sabemos que, apesar do nosso compromisso e do nosso empenho, seja do ponto de vista
legislativo seja ao nível das políticas públicas, a violência contra a mulher é uma realidade que subsiste e
cujos números, que não raras vezes encaro com frustração, constantemente nos desafiam a fazer mais e a
fazer melhor.
Discriminação, impunidade e complacência tolerada através da indiferença, do desconhecimento, da
ignorância e daquele que é o maior inimigo da paz — o medo.
Muito foi feito, muito está a ser feito — deixo aqui, aliás, uma palavra de saudação ao trabalho da Sr.ª
Secretária de Estado Teresa Morais nesta matéria —, e muito, infelizmente, mas pela realidade assim é
desafiado, há para fazer.
Ora, foi exatamente neste contexto que Portugal se tornou no primeiro país da União Europeia a ratificar a
Convenção de Istambul e é exatamente também neste contexto que o poder político e a sociedade civil têm