I SÉRIE — NÚMERO 70
22
Desde logo porque a genética forense vive a aceleração histórica da sua ciência-mãe e se não se pode
negar o fecho de direitos dela emergentes, em particular ao nível da saúde humana, não pode igualmente
ignorar-se a sua capacidade intrusiva na esfera do que apenas ao privado diz respeito, cabendo ao legislador
definir aqui esta linha de água.
Da leitura do presente Relatório transparece que o processo de construção da base de dados de perfis de
ADN ainda está em curso, ou seja, o processo de consolidação da sua atividade ainda está em curso, tanto no
que respeita aos critérios e procedimentos de inserção de dados como, em particular, à definição de um
caminho seguro para a sua consolidação.
O Relatório dá-nos também nota da realização de uma reunião entre responsáveis do Instituto de Medicina
Legal, da Base de Dados e do Conselho de Fiscalização para abordarem, entre outros temas, as questões
suscitadas por despachos judiciais de inserção de perfis na Base de Dados. Neste campo, a jurisprudência
ainda não traçou um caminho firme.
Uma breve pesquisa pela jurisprudência de 2.ª instância revela as dificuldades sentidas quanto à
interpretação do critério legal de admissibilidade de recolha de amostra biológica de condenados com
sentenças transitadas em julgado.
Enquanto o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que a recolha não deve ser automática, pelo que a
sentença condenatória terá de fundamentar a existência de grave perigo de continuação criminosa ou outros
receios relevantes que permitam inferir a necessidade daquela recolha, já o Tribunal da Relação de Évora
entendeu que, observados os requisitos formais, o Tribunal não tem de fundamentar materialmente a decisão
que ordena a recolha de amostra biológica.
Deste Tribunal de Évora saiu também o acórdão que considerou não poder ser o condenado com sentença
transitada em julgado forçado à recolha de amostra biológica para efeitos de inserção do perfil de ADN na
Base de Dados porquanto a lei não o prevê, decisão que, aliás, tem sido secundada por outras instâncias
onde a constitucionalidade da norma já foi suscitada.
As preocupações expressas no presente Relatório revelam-se ainda ao nível da cooperação internacional,
antecipando-se dificuldades que, de acordo com este documento, só poderão ser ultrapassadas com
intervenção legislativa. Também ao nível executivo é requerido à tutela, neste caso ao Ministério da Justiça, a
sua intervenção para permitir o cumprimento das normas relativas à remoção da Base de Dados e destruição
das amostras do condenado que vê retirados do seu registo criminal os efeitos da sentença condenatória.
Finalmente, o Relatório revela o empenho dos responsáveis diretos pelo funcionamento da Base de Dados
na procura de procedimentos que cumpram os requisitos legais e a sua interpretação em conformidade com
texto constitucional, bem como a perceção da sua relevância em termos não apenas criminais, dado que a
Base de Dados para efeitos de identificação civil constitui um importante instrumento de consagração de
outros direitos fundamentais.
A visão que a partir do presente Relatório se obtém sobre a evolução da Base de Dados permite concluir
que talvez não surja outro momento mais certo do que o presente para a construção dos equilíbrios
necessários à fruição dos efeitos da ciência dentro dos limites do eticamente aceitável.
Estamos cientes das questões que ao nível dos métodos proibidos de prova e da recolha de amostras
biológicas se suscitam na doutrina e na jurisprudência, como, entre outros problemas não menos relevantes, a
eliminação de dados pessoais e a destruição de perfis de ADN, mas cremos que, nesta matéria
particularmente relevante, onde conflui precisamente a tensão entre as necessidades de investigação criminal
e as necessidades de garantia de direitos fundamentais, talvez esta Assembleia da República assuma possa
contribuir, chamando aqui outros parceiros, como o Conselho Nacional de Ciências para a Ética da Vida, para
ajudar a consolidar este processo.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Anjinho.
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Discutimos hoje o primeiro
relatório do atual Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN, que, como bem nos
recordamos, está em funções desde junho de 2013, na sequência, aliás, da aprovação nesta Casa da Lei de