I SÉRIE — NÚMERO 87
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Se a criminalidade grupal e itinerante, com elevada capacitação técnica e mobilidade, frequentemente
transfronteiriça, é apontada pelas polícias como exigindo resposta fulcral no êxito do combate ao crime, como
explicar o silêncio das orientações de política criminal em relação a tamanho desafio do nosso tempo?
Também quanto às prioridades definidas para a investigação merece reparo a omissão relativamente a
crimes que implicam ofensas à integridade física ou ameaça e coação agravadas em relação a pessoas
especialmente vulneráveis ou expostas, como os jovens adolescentes, os idosos ou as pessoas em situação
de maior exposição e risco, como os professores, os médicos e outros profissionais de saúde, os profissionais
do foro ou os agentes dos serviços e forças de segurança ou dos órgãos de polícia criminal.
O Sr. José Magalhães (PS): — Bem observado!
O Sr. Jorge Lacão (PS): — E o mesmo é dizer da falta de prioridade concedida aos crimes de exposição
ao abandono, que tão frequentemente andam ligados aos crimes de tráfico de seres humanos.
Noutro plano, nenhuma orientação é visível quanto à ponderação do regime legal das penas e do seu
cumprimento penitenciário, quando se conhecem os apelos fundamentados para rever o regime de prisão por
dias livres e o da semidetenção com incremento do recurso à vigilância eletrónica.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Jorge Lacão (PS): — O mesmo silêncio quanto à ponderação das modalidades de recurso às várias
formas admissíveis do processo penal, com desejável incremento das soluções ligadas à suspensão provisória
do processo, à mediação penal, à aplicação de medidas probatórias e a favor da comunidade, e à justiça
restaurativa.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Jorge Lacão (PS): — O mesmo silêncio alastra ao desinteresse da proposta pela situação das
vítimas de crimes, a cujo estatuto não se faz uma única referência.
O mesmo se diga da necessidade de atualização do regime penal especial para jovens entre os 16 e os 21
anos, em particular no interface com a aplicação das medidas de natureza tutelar educativa.
Se a tais omissões juntarmos a ausência de soluções para a evidência de resposta informática para o
registo, pelo Ministério Público, das ocorrências criminais, segundo adequada tabela tipológica, a ausência de
referência à necessidade de melhor incrementar — além da videovigilância, cujo grau de sensibilidade e
necessidade de ponderação face à proteção de dados o Governo parece ignorar — os sistemas adequados de
controlo policial, como o da georreferenciação, e em que condições e, por outro lado, a anulação completa da
função de coordenação das missões preventivas, no âmbito do sistema integrado de segurança interna, em
relação ao qual se faz um manto de silêncio, temos, pois, como conclusão um balanço muito deficitário da
presente proposta de lei: tardia, ligeira, plena de omissões em matérias relevantes, inepta para sinalizar um só
sentido orientador para as prioridades de investimento e modernização a fazer em matéria de meios,
equipamentos e dispositivos de combate à criminalidade e em matéria de incremento do indispensável
trabalho de ressocialização e reinserção social e de recapacitação do sistema judiciário e penitenciário.
O que temos perante nós, isso sim, é uma proposta de lei para cumprir no último momento, e em grande
parte por insistência do PS, uma obrigação legal cujos contornos deficientes têm o destino marcado: a mais do
que provável necessidade da sua revisão no início da próxima legislatura e no contexto de uma orientação de
políticas institucionalmente partilhadas e devidamente documentadas, sustentadas e responsabilizantes.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.