I SÉRIE — NÚMERO 83
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Assim, o Código do Trabalho surge como forma de colmatar essa desigualdade nas relações laborais e de
proteger o trabalhador.
Deste modo, apresentamos dois projetos de lei: um deles propõe a reposição do princípio do tratamento mais
favorável e o outro propõe o incremento da contratação coletiva.
A reposição do princípio do tratamento mais favorável é a pedra basilar do direito do trabalho, essencial para
a reposição do próprio espírito da Constituição do nosso País em matéria de igualdade.
Sem a reposição deste princípio, fragilizamos a posição do trabalhador, que, naturalmente, é a parte com
menos poder na relação laboral. Não reconhecer a importância da reposição deste princípio é não reconhecer
as bases do nosso direito do trabalho.
O Sr. PedroFilipeSoares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª IsabelPires (BE): — A ligação deste princípio ao incremento da própria contratação coletiva por via
do fim da caducidade das convenções coletivas é óbvia e os objetivos dos projetos em discussão são simples:
combater a precariedade, combater as desigualdades e respeitar quem trabalha no nosso País.
Além de repor a importância histórica destes princípios, duas coisas sabemos: por um lado, a caducidade
permitiu que as convenções, pura e simplesmente, deixassem de existir por decisão unilateral dos patrões e,
por outro lado, o fim do tratamento mais favorável, além da questão do princípio, degradou o conteúdo das
próprias convenções, porque permite que elas tenham normas piores do que a lei geral, o que é absurdo.
Sabendo isto, a centralidade do Parlamento e a sua competência para decidir sobre estas matérias é
inquestionável no quadro jurídico português.
Não aceitamos que o debate se centre na suposta incapacidade do Parlamento em decidir sobre matéria
laboral. Não aceitamos que se continue a afirmar, como se fosse verdade, que todas as alterações de âmbito
laboral foram feitas em sede de concertação social, porque não foram.
A título de exemplo, com a introdução, pela direita, da caducidade unilateral dos contratos, PSD e CDS vieram
dar o golpe final à capacidade de negociação coletiva e oferecer aos empregadores um instrumento de
chantagem largamente utilizado e sem concertação social.
Por isso, dizer hoje que não é papel do Parlamento pronunciar-se sobre a matéria é continuar a propagar a
ideia e a prática de absoluta impunidade do patronato em matéria de proteção dos trabalhadores. Não aceitamos
isso!
Aplausos do BE.
Podemos já tirar conclusões das reformas laborais feitas nas últimas décadas: em nome da flexibilização,
baixaram-se salários, desprotegeu-se a parte mais frágil de uma relação desigual, aumentou-se
exponencialmente a precariedade e, por isso, diminuiu-se também a democracia.
Os números confirmam que, em matéria de contratação coletiva, ainda estamos muito aquém do necessário.
Em 2011, havia mais de 1,2 milhões de trabalhadores abrangidos por convenções coletivas e, em 2014,
passaram a ser menos de 250 000, sendo que os dados publicados mais recentemente indicam que, em 2016,
não chegavam a 750 000 os trabalhadores abrangidos por convenções coletivas publicadas.
Estes números demonstram que a recuperação da contratação coletiva é lenta e pede medidas mais
consequentes.
O próprio Governo admitiu que, no que toca à caducidade das convenções coletivas, há problemas e admitiu
o problema implementando uma meia solução, um parêntesis na lei durante 18 meses. Ora, admitido que está
o problema, passemos, então, a soluções que não sejam apenas placebos, mas que sejam, sim, soluções
duradouras para a vida dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a contratação coletiva está consagrada constitucionalmente desde a
Revolução de Abril e é um instrumento reconhecido pelo seu papel estruturante na regulação do trabalho, mas
também da vida familiar dos trabalhadores e na função social que desempenha, quer como instrumento de
distribuição de riqueza, quer como meio de consolidação de direitos.