I SÉRIE — NÚMERO 103
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A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados: Quando o inimaginável
acontece e quando daí resulta tanta dor, tanta perda, tantas vítimas é dever e obrigação do Estado, por um lado,
averiguar todas as responsabilidades, tudo o que se passou, o que esteve em falta, o que correu bem e o que
correu mal.
O Sr. José Manuel Pureza: — Muito bem!
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Por outro lado, é também obrigação do Estado aprender com os erros.
A avaliação não deve servir apenas para apurar responsabilidades, que são importantes, mas deve servir
também para informar o futuro e ao Governo compete perceber o que poderia ter sido feito de forma diferente,
de modo a garantir que, quando o inimaginável voltar a acontecer – e, convenhamos, fenómenos climatérios
extremos e inusitados é, provavelmente, aquilo que mais nos espera no futuro –, nessa altura, é obrigação do
Estado estar melhor preparado, agir com mais rapidez e mais eficácia.
Sr.ª Ministra, o relatório do SIRESP afirma que não houve falhas, ou que as falhas intermitentes que se
registaram foram colmatadas por sistemas de redundância. Os operacionais no terreno, dos bombeiros aos
agentes de segurança, dizem o contrário e a Autoridade Nacional de Proteção Civil teve também várias
afirmações contraditórias durante este processo e a este respeito.
Desde o início do funcionamento desde sistema de comunicações, o SIRESP, que têm sido apontadas várias
falhas em várias situações, nomeadamente na capacidade de cobertura e na capacidade de resposta a
situações-limite com intenso tráfego comunicacional, entre outras. Aliás, ainda no ano passado, no incêndio do
Sardoal, em agosto, foram reportadas várias falhas ao nível das comunicações do SIRESP.
Como podem os portugueses e as portuguesas confiar num sistema como o SIRESP, num sistema que é
previsto funcionar quando tudo o resto falha, que é suposto funcionar precisamente nestas situações-limites,
mas que falha sempre? Ainda para mais, Sr.ª Ministra, é um sistema que custou aos cofres públicos mais de
500 milhões de euros e que continua nas mãos de privados a render, neste modelo desastroso que são as
parcerias público-privadas, ainda para mais quando existe uma cláusula no contrato com a SIRESP que iliba a
empresa de responsabilidades no caso de falhas, nas situações-limites, situações essas para as quais o Estado,
precisamente, contratualizou este sistema?!
O Estado não pode continuar a pagar a um concessionário e a um sistema que falha sempre!
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Não pode deixar a segurança e a proteção das pessoas, das populações, nas
mãos de privados.
E, Sr.ª Ministra, como o inimaginável pode voltar a acontecer, tem de se atuar com mais rigor e com mais
vigor na prevenção, e isto passa pelo combate à desertificação, pelo cumprimento da lei no que respeita à
limpeza da floresta e à sinalização dos acessos, ao cumprimento das áreas de segurança em torno das
habitações, junto a estradas e caminhos, passa também pela revitalização dos meios humanos de vigilância da
floresta, mas passa, sobretudo, por uma política completamente diferente do ordenamento da floresta e por uma
escolha óbvia: se valem mais os interesses políticos, financeiros e o lucro das grandes celuloses, ou se valem
mais as pessoas.
Mas passa também por atuar na capacidade dos meios de combate. Esta tragédia, que atingiu Portugal há
pouco mais de uma semana, mas também todos os incêndios que todos os anos, consecutivamente, assolam
o nosso País, devem servir para que o Governo se questione sobre que tipo de proteção civil quer ter e sobre
que modelo de funcionamento e de organização de combate aos incêndios e de bombeiros quer ter.
Quando temos bombeiros profissionais, estou a falar de bombeiros municipais, que ganham pouco mais de
500 € por mês; quando temos bombeiros que deixam de poder, por lei, desempenhar funções operacionais a
partir dos 50 anos mas que não se podem reformar; quando temos governos sucessivos que não se
preocuparam em cortar a bonificação para aposentação antecipada destes bombeiros e que, depois, se veem
a braços com um corpo de bombeiros envelhecidos, onde há sempre mais saídas do que entradas; quando
qualquer companhia de seguros para fazer um seguro a um bombeiro ou a uma bombeira, um seguro pessoal,
de habitação, de veículo ou de qualquer outra coisa, considera que essa é uma profissão de alto risco e por isso