I SÉRIE — NÚMERO 107
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processo de construção da União Europeia em 2016, sendo que esta participação portuguesa não está
obviamente desligada do processo de construção europeia no seu todo.
Esse ano de 2016, sabemos bem, foi o ano de todas as chantagens da Comissão Europeia sobre Portugal
e das pressões contra a solução política que se alcançou depois das eleições legislativas. É, na verdade, uma
das omissões do Relatório, porque ele é muito mais quantitativo do que propriamente qualitativo, mas não
podemos deixar esquecer que, de facto, esse ano, a nível da pressão europeia, foi essencial e fulcral para
Portugal e também para a sua própria participação neste processo de construção.
Quanto ao Relatório, há matérias que podem ser realçadas, porque delimitam a ação política da União e
marcaram o ano de 2016, mas, na verdade, são questões que perpassam o ano de 2017, pois as discussões
não são estanques, as soluções, ou a falta delas, são permanentes e os debates são contínuos. Falamos das
questões de migração e de matérias de segurança e defesa, da concretização do Plano Juncker, dos
procedimentos por défice excessivo, da construção da União Económica e Monetária e dos acordos
internacionais, como algumas das matérias essenciais que também já foram referidas. No entanto, gostaríamos
de realçar alguns pontos e deixar algumas questões, numa análise mais abrangente de todo este processo.
Em primeiro lugar, as migrações e a crise humanitária gerada pelo fluxo de refugiados é, sem dúvida, uma
das marcas de ação da União Europeia do ano de 2016, e pelos piores motivos.
Há uma crise política dentro dos Estados-membros europeus e entre eles sobre este assunto. Hungria,
República Checa, Polónia, Áustria são apenas alguns dos países que têm demonstrado um desrespeito absoluto
pela política de acolhimento europeia, mas também um desrespeito absoluto pelos mais básicos direitos
humanos, em alguns casos, e têm atacado, literalmente, refugiados nas suas fronteiras, construído muros de
arame farpado e militarizado essas mesmas fronteiras.
Portanto, num cenário destes, a União Europeia ainda está muito aquém de conseguir chegar a um consenso
sobre esta matéria e por isso é que continuamos a ter desgraças humanitárias nas nossas fronteiras. Isto
demonstra que não há uma solução meramente operacional que resulte sem que exista uma solução política
que congregue todos e todas. Este tem sido um alerta que o Bloco de Esquerda tem deixado, de há ano e meio
para cá.
Mas, nesta matéria, existe um problema político de maior dimensão, o acordo com a Turquia. É
absolutamente impossível continuar a manter um acordo com um país que desrespeita os mais básicos direitos
humanos.
É verdade que a Turquia tem uma posição geoestratégica fundamental no Mediterrâneo, mas o que a União
Europeia fez foi um acordo de lava-culpas, um acordo que desresponsabiliza a União Europeia das suas
competências e, acima de tudo, que a coloca como aliada de um regime que detém funcionários públicos e
jornalistas, fecha mais de uma centena de órgãos de comunicação social, ataca ONG que auxiliam quem mais
precisa e ataca refugiados na sua fronteira com a Síria. É disto que estamos a falar quando falamos deste
acordo.
É uma mancha que, na verdade, não mais sairá da história do processo de construção europeia, de uma
época que será recordada como aquela em que na sua maior crise humanitária a União Europeia se virou para
um país que não cumpre os direitos humanos.
Este é o balanço político que falta fazer neste Relatório e que tem de ser feito por parte da União Europeia e
do processo de construção europeu. Sabemos hoje que o Parlamento Europeu aprovou um relatório que propõe
a interrupção das negociações de adesão da Turquia à União Europeia se a Turquia mantiver a reforma
constitucional aprovada após referendo em abril. É curto, porque é condicionado à questão da reforma
constitucional, e é insuficiente porque se manterá, neste cenário, um acordo que a todos deve envergonhar.
Em segundo lugar, quanto às propostas sobre a conclusão da União Económica e Monetária, de novos
mecanismos financeiros e do novo quadro plurianual, o Bloco de Esquerda regista que a posição da União
Europeia e do Governo é a de aprofundar mecanismos que, noutras dimensões, estiveram na origem da crise
financeira e bancária que levou às piores medidas de austeridade, sob as quais Portugal sofreu bastante, mais
até do que outros países europeus.
Insistir em centralizar o sistema bancário numa superestrutura bancária é cair no mesmo erro em que
vivemos nos últimos anos. Assistimos hoje em Portugal a um processo semelhante de concentração de capital
bancário e isso não trará consequências positivas.