I SÉRIE — NÚMERO 107
48
Outra área onde é da maior importância o Governo português demonstrar que a Europa não tem de ser de
sentido único é a das reformas estruturais. Durante grande parte do século XX, as pessoas associavam reformas
a progresso e a investimento. A criação do Serviço Nacional de Saúde foi uma reforma, a criação de condições
dignas de trabalho foi uma reforma. Hoje em dia há muitos que associam reformas à degradação das condições
de vida e confundem algo que sempre teve uma conotação progressista e de melhoria das condições de vida
com o seu oposto.
Ora, um dos méritos do Governo português é exatamente ter sabido colocar a questão das reformas
estruturais no campo onde elas devem estar: no diagnóstico correto das necessidades de cada país e num plano
de ação para as concretizar.
Por essa razão, Sr.ª Secretária de Estado, queria congratular o Governo. Porque a Europa não será olhada
pelos cidadãos como algo de positivo se não for simultaneamente encarada como um espaço de opções e de
alternativas políticas. Esse foi, em 2016, sem dúvida alguma, o maior feito do Governo português. Esperamos
que a capacidade de demonstrar que é possível honrar os compromissos europeus sem trair as populações e
os nossos eleitores seja um exemplo a seguir por outros, que deveria ser tido em conta nomeadamente em
algumas recomendações em matéria orçamental que, infelizmente, continuam hoje a ser feitas pela Comissão
Europeia.
O Sr. Miguel Morgado (PSD): — É a arbitrariedade total!
O Sr. João Galamba (PS): — Os resultados positivos do Governo português mostram que essas
recomendações não são necessárias nem devem ser identificadas com a própria natureza do projeto europeu.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do
PCP.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje
realizamos mais um debate na Assembleia da República a propósito das prioridades da presidência da Estónia,
mas também a propósito da participação de Portugal na União Europeia.
Um ano depois do último debate sobre estas matérias, vemos, em relação às prioridades desta presidência,
que insistem numa fuga para a frente, centrando-se no aprofundamento de opções políticas como o militarismo,
o reforço do orçamento da defesa, em estreita articulação com a política de agressão e de guerra da NATO; a
adoção de medidas securitárias; o desrespeito pelos direitos humanos dos refugiados e migrantes; a conclusão
da união económica e monetária com a união bancária, retirando totalmente o sistema financeiro do âmbito da
soberania dos Estados; o mercado único e o mercado único digital. Refiro-me a várias opções políticas que não
são novas, aprofundam o rumo já iniciado e já demonstraram que não resolvem os problemas com que se
confrontam os trabalhadores e os povos dos vários Estados-membros e, mais, e são as responsáveis pela crise
na União Europeia.
Mais uma vez, como estava a referir, estas opções políticas da União Europeia não constituem soluções
capazes para responder ao desemprego, à pobreza e às crescentes desigualdades, deixando clara a natureza
de classe do dito processo de construção europeia.
Todo o debate em torno do futuro da União Europeia e não da Europa — como alguns, propositadamente,
insistem em designar para gerar a confusão — não passa de uma pseudodiscussão, pois todos os caminhos
apontados têm um único objetivo: salvar a União Europeia, o sistema capitalista em que se integra, e os
interesses que serve.
Tudo isto não passa de uma operação de branqueamento das responsabilidades da União Europeia perante
a situação que se vive nos vários Estados-membros, com um ataque a direitos, um retrocesso, um
aprofundamento das divergências entre os Estados, ao mesmo tempo que procuram ir mais longe no processo
de integração capitalista europeia, reforçando os três pilares em que assenta a União Europeia: o neoliberalismo,
o federalismo e o militarismo.