I SÉRIE — NÚMERO 60
42
Disse, ontem, o Sr. Primeiro-Ministro que, e cito, «ser europeu é pertencer a um sistema comum de valores:
a paz, a defesa incondicional da democracia, o primado do Estado de direito, a liberdade, igualdade, dignidade
da pessoa humana, a solidariedade».
E, se em algum momento da construção deste projeto europeu se quis pensar isso, as ideias e os valores
que realmente regem as instituições europeias são, hoje, muito diferentes.
Vejamos: a paz é, hoje, um artifício para justificar uma deriva militarista. É a isso mesmo que assistimos com
o projeto da cooperação estruturada permanente. Utilizar as armas para responder às fragilidades políticas que
abriram caminho aos populismos é uma escolha perigosa, cujos únicos beneficiados são os bolsos da grande
indústria de armamento.
Mas também sobre a defesa da democracia, assistimos a uma caricatura cada vez maior. O Sr. Primeiro-
Ministro não ignora, com certeza, o crescimento real de forças de direita e reacionárias no poder e nos
parlamentos nacionais, como seja na Polónia, na Áustria, na Hungria e, mais recentemente, na eleição em Itália.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Nem tão-pouco o valor da democracia pode valer apenas para as próprias
fronteiras e teimar em manter acordos com o regime da Turquia de Erdogan continua a ser uma óbvia negação
do valor da democracia para todos e para todas.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Também sobre a defesa do primado do Estado de direito só podia estar a ser
irónico, peço desculpa, porque até a Comissão Europeia está preocupada com a deterioração do primado do
Estado direito, e vejamos o que se passou recentemente e as opiniões que foram dadas sobre a Polónia.
Mas olhemos também para o que se tem passado, ao longo dos últimos meses, no Estado espanhol, aqui
ao lado, em que se acentua uma política de Estado para negar direitos fundamentais como a liberdade de
expressão e se mantêm Deputados eleitos presos, como é o caso da Catalunha.
E, como é facilmente percetível e mais exemplos poderíamos dar, os supostos valores basilares deste projeto
europeu caem por terra com uma análise rápida.
Mas o debate atual é feito de contradições permanentes sobre o futuro da União Europeia, especialmente,
neste momento, no que toca ao orçamento e às suas prioridades.
Nos discursos, afirma-se que a coesão é a prioridade, mas, na prática, os milhões são desviados para
armamento e a única coisa que temos hoje por garantida é o aumento de orçamentos nacionais e dos
instrumentos financeiros europeus na área da segurança e da defesa.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Pedro Nuno Santos): — Não é bem assim!
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Por mais que se façam declarações de intenção sobre coesão e solidariedade,
os vencedores deste euromilhões já estão anunciados: são as grandes indústrias de armamento, alemã e
francesa, e isso, Sr. Primeiro-Ministro, tem a oposição frontal do Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Esse é também o debate sobre o próximo quadro financeiro plurianual: onde se
vai buscar o dinheiro e onde será esse dinheiro gasto. Sabemos que o Governo português tem tido proposta,
em particular as propostas feitas para a criação de novos impostos europeus.
No momento em que a saída do Reino Unido obriga a uma reorganização orçamental, parece-nos, de facto,
que é um debate importante a ter. O Bloco de Esquerda exige, na verdade, o aumento das contribuições dos
Estados mais ricos, porque sem isso não há uma dimensão cooperativa europeia. Contudo, não afastamos, de
facto, a ideia de que o capital seja chamado a pagar, e isso são os controversos impostos europeus, que, aliás,
já existem em variadas matérias.