I SÉRIE — NÚMERO 9
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Atente-se ao exemplo recente do caso do navio Aquarius. É uma saga que mostra a desumanização total da
política da União Europeia. Um navio que salvou, nos últimos dois anos e meio, cerca de 30 000 pessoas,
registou e denunciou crimes cometidos contra os direitos humanos de migrantes, de refugiados e que, neste
momento, não tem solução. E por pressões do Governo italiano, abertamente xenófobo e racista, nenhum
Governo se atreve a oferecer uma solução. E isso não é aceitável.
A questão que aqui deixamos é se, de facto, existe a coragem, também do Governo português, de dar a
bandeira portuguesa ao navio Aquarius, ir mais além e dizer «não» à chantagem de partidos como os do
Governo italiano.
Outro exemplo, também nesta matéria, tem a ver com a situação da detenção de Domenico Lucano, um
autarca italiano acusado de auxílio ilegal a migrantes, quando falamos de um autarca que, desde 1998, tem um
projeto que dá oportunidades a centenas de pessoas para terem uma vida melhor e auxilia, também, a sua
própria cidade. Vão os restantes países da União Europeia ter alguma palavra a dizer sobre este caso? Vão ou
não tê-la? E o Governo português vai, ou não, ter uma palavra também sobre esta situação?
Em último lugar, Sr. Primeiro-Ministro, há uma questão, que é muito recente, ainda hoje foi debatida no
Parlamento Europeu, que nos preocupa e que tem a ver com a discussão, nesse Parlamento, da proposta de
integração do Tratado Orçamental no direito comunitário.
Estamos perante a concretização da obsessão europeia dos nossos tempos: a austeridade. O que se
pretende impor com a Diretiva que faz esta proposta de integração é a sobreposição de corpos não eleitos aos
Governos eleitos, que não se limitem apenas a assinalar desvios orçamentais ou a prevê-los, mesmo que sem
razão aparente, mas que passem a poder ir mais longe. Serão corpos não eleitos que passarão a ter o poder
de impor políticas concretas, o que levará, na prática, à implementação de programas alternativos aos
programas que foram sufragados nas eleições.
Portanto, acima de tudo, estamos perante um problema democrático de fundo. Com esta diretiva, dá-se mais
uma machadada, enorme, na democracia dos Estados-Membros.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — A pergunta que deixamos é a seguinte: qual a posição do Governo sobre esta
matéria? Vai, ou não, ser complacente com esta Diretiva? E em nome de quê? Em nome da obsessão que já
teve resultados desastrosos para o nosso País?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro
Mota Soares, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a fazer este debate um mês depois do debate do estado da União no
Parlamento Europeu, cerca de duas semanas depois da reunião informal dos chefes de Estado em Salzburgo e
a poucos dias do próximo Conselho Europeu.
Julgo que podemos tentar identificar alguns temas comuns a essas três iniciativas, nomeadamente gostaria
de destacar, do debate do estado da União, três matérias do discurso do Presidente da Comissão: primeiro, os
aspetos relevantes que contam nesse discurso; segundo, os aspetos que, flagrantemente, não constam desse
discurso e deviam constar; e, terceiro, os aspetos caricatos que constam, e não deviam constar, do discurso do
Presidente da Comissão Europeia sobre o estado da União.
Vamos começar pelos aspetos relevantes. Em primeiro lugar, a aliança África-EU, o chamado Plano Marshall
para África.
Sr. Primeiro-Ministro, basta termos presente que, até 2050, a população africana duplicará, superando os 2,5
mil milhões de habitantes, para percebemos que muitas das questões sobre os movimentos migratórios de que
estamos a falar vão, inevitavelmente, aumentar. Por isso, temos de reconhecer que a nossa oportunidade de
intervenção em África dá-se agora e, acima de tudo, temos de perceber que, se há continente em que Portugal
tem uma particular experiência, esse continente é exatamente o africano. Mais ainda: Portugal terá muito mais