29 DE NOVEMBRO DE 2018
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A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr.as e Srs. Deputados, enquanto a cultura for vista como uma fatura e não
como uma ferramenta de desenvolvimento individual e de progresso coletivo, perde o povo e perde o País. O
PCP tudo fará para que se rompa com esse rumo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Ontem, ao
início da tarde, referimos aqui que a proposta do Orçamento dava um pequenino passo na reposição da justiça,
ao terminar com a isenção do pagamento de IVA para toureiros. Mas, já de noite, a política identitária
ultraconservadora fez cair esta norma.
Esta isenção tributária encerra em si uma profunda injustiça. Há injustiça, porque o contributo de um médico
ou de um enfermeiro para a sociedade não pode ser comparável à ação de um toureiro, um «maltratador»
reconhecido pelo Estado.
Há injustiça, porque os toureiros estão isentos, mas outros profissionais, como os médicos veterinários ou os
advogados, que contribuem amplamente para o coletivo, seja por diminuírem riscos para a saúde pública, seja
por assegurarem o acesso à justiça, um direito fundamental e elementar num Estado de direito democrático,
pagam uma taxa de 23%.
Esta isenção é totalmente injusta, porque privilegia um conjunto de pessoas cuja atividade tem por base a
tortura de um ser senciente, que sofre e sente dor como qualquer um de nós. É injusta, porque esta indústria
beneficia, à custa de todos os contribuintes, sejam eles apoiantes ou não da tauromaquia.
Sr.as e Srs. Deputados, os senhores, que tantas vezes apregoam a liberdade, quando se fala em tauromaquia,
por que motivo insistem em obrigar os portugueses a custear uma atividade que repudiam? A nossa liberdade
termina onde começa a do outro e na tauromaquia há uma liberdade que é sempre violada: a de quem não quer
participar e ser violentado.
E se é verdade que o Estado não pode nem deve interferir na autonomia artística, também é verdade que
não deverá ficar indiferente quando a mesma pressuponha a tortura ou formas de crueldade.
A invocação da cultura, religião ou tradição não pode, em caso algum, justificar violações de todos e
quaisquer direitos.
O Estado, ao recusar intervir, permite que a liberdade dos mais fortes faça sucumbir a liberdade dos mais
fracos. A liberdade de uns não pode ou não deve significar a opressão de outros, caso contrário estamos apenas
perante uma miragem de liberdade.
O direito ao divertimento das pessoas não pode sobrepor-se ao direito à vida de um animal. Os maus tratos
ou a morte de um animal nunca devem ser um espetáculo e mesmo a circunstância de este estar classificado
como «animal de pecuária» em nada lhe retira dignidade ou o direito a ter, pelo menos, uma vida de bem-estar
e uma morte pacífica.
A nossa legislação determina, há muitos anos, que os tratamentos cruéis e o sofrimento desnecessário de
animais são proibidos, inclusivamente no que respeita a animais que são criados e abatidos para alimentação.
A tourada, especificamente excecionada na lei, por motivos identitários, subsiste como uma manifesta violação
destes princípios.
Se alguma coisa há a dizer sobre as touradas é que beneficiam de uma discriminação que as favorece, que
permite a sua manutenção e o seu apadrinhamento, mesmo se estas contradizem, em absoluto, o espírito da
lei.
Enquanto o Parlamento reconhecer a tauromaquia como legal, o Estado deve adotar uma posição fiscal,
financeira e institucionalmente neutra. E, neste particular, o Estado não só não se tem mantido neutro como tem
dado respostas precisamente no sentido de perpetuar a tauromaquia, uma prática que a política identitária
ultraconservadora, socorrendo-se de argumentos nacionalistas, designa de «Portugal Verdadeiro». Não são
apenas os benefícios fiscais, os patrocínios financeiros ou as transmissões na televisão pública e em canal
aberto que atestam esta falta gritante de neutralidade do Estado. Recordamos que, nos últimos anos, em nome
desta política, se legalizaram as touradas de morte e nunca se impediu, contra as recomendações do Comité
de Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, que as crianças assistissem a touradas. O mesmo