5 DE JANEIRO DE 2019
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Por nós, continuamos a considerar que a descentralização não pode nem deve ser encarada como uma
forma de desresponsabilizar o Estado central das suas funções. A descentralização não pode ocorrer só porque
o Governo não quer ou não consegue dar resposta ao que pretende descentralizar.
Para além disso, importa ainda referir que algumas destas transferências incidem em áreas que a nossa
Constituição inclui nas funções sociais do Estado. Se a nossa Constituição inclui essas áreas no elenco dos
direitos fundamentais é porque no plano constitucional se pretende garantir que esses mesmos direitos sejam
assegurados de forma universal a todos os cidadãos e em todo o território. Os cidadãos não podem, como se
pretende neste processo, ficar sujeitos à disponibilidade financeira dos respetivos municípios para aceder aos
serviços públicos e àquelas que são as funções sociais do Estado, nomeadamente a saúde, a educação ou a
justiça. E não podem, porque a nossa Constituição elege esses direitos como fundamentais, exatamente para
garantir que eles sejam assegurados de forma universal a todos os cidadãos e em todo o território,
independentemente do município onde residem.
Acresce, ainda, que este tipo de processo de descentralização vai potenciar uma gestão desligada das
estratégias políticas que se querem nacionais, cada um à sua maneira, no seu local. Esta questão é
particularmente importante, sobretudo ao nível das áreas setoriais a que se referem as apreciações
parlamentares em discussão. Referimo-nos, por exemplo, à área da justiça, da habitação, da gestão das praias
marítimas ou fluviais, das vias de comunicação, da promoção turística ou do apoio aos bombeiros voluntários.
Para além disso, há decisões políticas em certos setores que exigem um nível de conhecimento técnico e
que devem ser tomadas por quem tem esse conhecimento, que não está nem pode estar disperso. Hoje, a
decisão é, muitas vezes, suportada por uma cadeia hierárquica técnica especializada, que é fundamental mas
que será cobrada se este processo avançar. Corremos, aliás, o risco de muitas autarquias, não tendo esse
saber, se verem forçadas a recorrer ao privado, gastando ainda mais dinheiro.
É por tudo isto, mas também porque consideramos que é pouco recomendável passar a ter decisões tomadas
de forma isolada, em função do local, sem qualquer estratégia nacional, em áreas e matérias onde essa
estratégia é fundamental para garantir não só os direitos de todos os cidadãos como também para gerir o saber,
o conhecimento e a reflexão em termos de desenvolvimento nacional e também em termos de recursos, que Os
Verdes não só acompanham as apreciações parlamentares em discussão como ainda apresentam iniciativas
legislativas para fazer cessar os efeitos dos 11 diplomas que constituem o objeto destas apreciações
parlamentares.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — A palavra agora, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, é
da Sr.ª Deputada Berta Cabral.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em sede
de apreciação parlamentar de alguns dos diplomas setoriais relativos ao processo de descentralização, importa
referir que o PSD, como partido profundamente democrático e enraizado no poder local, acredita convictamente
no princípio da subsidiariedade e nas virtudes da descentralização dos poderes do Estado.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — E não nos ficamos pelas palavras.
Em 2015, avançámos com um projeto-piloto nesta matéria, reconhecido e elogiado pelo então Presidente da
Câmara Municipal de Lisboa e hoje Primeiro-Ministro, e nesta Legislatura fomos o primeiro partido a colocar o
assunto na agenda e a concretizar a apresentação de um projeto de lei-quadro sobre descentralização.
O PS e o Governo, por seu turno, tiveram sempre dificuldade em passar das palavras aos atos! Hesitaram,
ziguezaguearam e atrasaram-se sistematicamente ao longo de todo o processo. Levaram mais de um ano para
apresentar a proposta de lei-quadro, levaram quase três anos para apresentar a revisão da Lei das Finanças
Locais e os projetos setoriais têm vindo a ser publicados a conta-gotas, cada um com um prazo diferente de
entrada em vigor, o que é uma verdadeira manta de retalhos e um quebra-cabeças para os nossos autarcas.