I SÉRIE — NÚMERO 35
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Um processo de descentralização a sério não deve englobar competências de serviços públicos cujo
exercício não recomende uma escala municipal. Deve manter a universalização de serviços públicos essenciais,
tais como a educação, a saúde, a cultura, a justiça, a segurança social, a habitação. Tudo isto irá ficar em causa!
Trata-se de uma desresponsabilização por parte do Estado central de serviços sociais de acesso universal,
o que, sem a devida transferência dos pacotes financeiros correspondentes, levará à externalização e
concessão a privados destes serviços, colocando em causa o seu acesso a todos os cidadãos em pé de
igualdade.
O processo apresenta-se deveras bem mais difícil quando, contrariando a própria Lei das Finanças Locais,
os mapas do chamado Fundo de Financiamento da Descentralização não constam do Orçamento do Estado
para 2019. Até a norma que, por despacho do Governo, previa a transferência de montantes para o Fundo de
Financiamento da Descentralização acabou por ser chumbada durante a discussão na especialidade do
Orçamento do Estado.
No âmbito da aprovação da Lei n.º 50/2018, aprovada por PS e por PSD, que determina o quadro de
transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, o Governo tem
vindo a publicar, com notório atraso, um conjunto de decretos setoriais. Mas o processo tem sido difícil e tem
merecido diversas críticas de muitos autarcas de diferentes quadrantes políticos.
Por outro lado, devido à sua dimensão e complexidade, o Governo não deveria, com o aval do PSD, tratar
da transferência de competências através do recurso ao figurino do decreto-lei, mas, sim, através de propostas
de lei, com um maior envolvimento da Assembleia da República.
Serão os municípios, as freguesias, as suas populações que irão ficar em causa, que serão prejudicadas e
que irão sofrer as consequências. O Bloco de Esquerda nunca poderá alinhar nesta irresponsabilidade, nesta
autêntica trapalhada.
Desta forma, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda requereu a apreciação parlamentar de todos os
decretos-leis setoriais já publicados e irá fazer o mesmo com os restantes que ainda faltam. O que se pede é a
cessação de vigência de todos estes decretos-leis.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José
Luís Ferreira, do Partido Ecologista «Os Verdes».
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Este vasto e numeroso conjunto de apreciações parlamentares sobre a transferência de competências para os
órgãos municipais, que agora discutimos, vem confirmar duas evidências muito claras.
A primeira é a de que o processo de descentralização — se é que assim o poderemos chamar —, negociado
e aprovado pelo PS e pelo PSD, nasceu torto. Nasceu muito torto.
A segunda evidência, que, aliás, decorre da primeira, é a de que «o que nasce torto tarde ou nunca se
endireita».
Por isto mesmo, Os Verdes saúdam as bancadas que agendaram as apreciações parlamentares sobre os
vários diplomas que dizem respeito a matérias muito importantes para os cidadãos, para a sua qualidade de
vida e para o acesso aos serviços públicos por parte dos portugueses.
Como referimos durante a discussão da proposta sobre a transferência de competências para as autarquias,
Os Verdes consideram que o processo de descentralização deveria ser norteado por três elementos centrais:
primeiro, não se deveria perder de vista a criação das regiões administrativas; depois, o processo de
descentralização teria de ter como pressuposto base a defesa e a valorização da autonomia do poder local; e,
por fim, esse processo teria de ser construído tendo sempre como perspetiva a melhor forma de responder às
necessidades das populações e de promover a qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos.
São estes, a nosso ver, os objetivos centrais que devem nortear qualquer processo para uma verdadeira e
efetiva descentralização: a defesa e a valorização da autonomia do poder local e a melhor forma de dar resposta
às necessidades das populações e de promover a qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos.
Mas, tal como se previa, estes objetivos não estiveram presentes nas negociações entre PS e PSD, negociações
que, de resto, estiveram na base da lei que ambos, e só eles, aprovaram.