I SÉRIE — NÚMERO 60
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tributação zero a unanimidade servirá para que ele se possa opor à alteração das regras e a grande limitação
da soberania é a limitação que emerge da impossibilidade de os países exercerem a tributação sobre a atividade
económica que, efetivamente, se desenrola dentro do seu território.
Como a tributação é zero, também não vale muito a pena pensarmos que, descendo 3, 4 ou 5 pontos na taxa
de IRC, eliminamos o incentivo a estas construções artificiosas, pela simples razão de que comparamos sempre
uma taxa que existe com uma taxa que, efetivamente, não existe.
Ao longo desta Legislatura, já foi criado um conjunto de medidas na nossa legislação que têm a ver com este
processo — as regras sobre rendimentos de patentes, as regras sobre troca automática de informações sobre
tax rulings, o regime do country-by-country reporting, a assinatura do acordo multilateral que permitiu a
adaptação automática de muitas dezenas das nossas convenções sobre dupla tributação.
Achamos que esta é mais uma medida que faz evoluir, no bom sentido, a nossa legislação fiscal no combate
à evasão, permitindo uma repartição mais justa da carga tributária. Este tem sido um esforço que tem unido,
creio, as diversas bancadas desta Assembleia da República e que terá, necessariamente, o voto favorável do
Partido Socialista.
Aplausos do PS.
Entretanto, reassumiu a presidência o Presidente, Eduardo Ferro Rodrigues.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua do
Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Olhamos
hoje para o funcionamento da economia mundial e percebemos que a fraude e a evasão fiscais são um problema
estrutural do funcionamento das economias.
São conhecidos os casos de multinacionais como a Google, a Amazon ou a Starbucks que usam a Irlanda,
por exemplo, para fugir aos impostos. Mas não são exceções, as maiores multinacionais do mundo pagam, hoje,
taxas efetivas de imposto que são 9 pontos percentuais inferiores àquilo que pagavam antes da crise financeira
de 2008. E fazem-no porque usam redes de offshore, fazem-no porque exploram todas as possibilidades das
leis nacionais para deslocarem as suas bases tributárias para regimes mais favoráveis, como a Irlanda ou o
Luxemburgo.
No curto prazo, são estes os países — o Luxemburgo e a Irlanda — que beneficiam deste regime e, por isso,
estarão sempre contra qualquer regra que se queira impor a mínimos de tributação. É por isso que a regra da
unanimidade é um problema para a justiça fiscal.
No longo prazo, sabemos que ninguém ganha. É uma corrida para o fundo, em que vamos todos atrás do
prejuízo e em que as sociedades perdem carga fiscal e receita fiscal.
Portugal, apesar de ser um dos países perdedores deste tipo de esquemas, participou nele ativamente.
Lembramo-nos bem das empresas de offshore criadas pelo BPN, pelo BCP e pelo BES, que ofereciam serviços
de fuga ao fisco a várias empresas do País. Durante os anos 90, por exemplo, ficou conhecida como «Operação
Furacão», em que muitas destas empresas pagaram uma parte do que deviam e nunca foram a tribunal, nunca
foram julgadas por aquilo que fizeram. Sabemos bem como as grandes empresas do PSI 20 têm a sua sede na
Holanda. E não é porque vendam imensos produtos na Holanda, é para pagarem menos impostos.
Conhecemos bem os efeitos das três amnistias fiscais que PS, PSD e CDS aprovaram e que serviram para
branquear fraudes fiscais e fugas ao fisco.
Também sabemos bem que era para facilitar o planeamento fiscal que servia o regime participation
exemption, do anterior Governo, ou as regras de tributação das patentes e juros, que colocaram Portugal no
radar da Comissão Europeia no benefício ao planeamento fiscal.
Conseguimos dar passos positivos e reverter algumas destas medidas. As últimas foram o de permitir o
acesso das Finanças a informação sobre offshores e informação sobre amnistias fiscais. O Sr. Secretário de
Estado, ao início, não estava muito convencido destas medidas, mas ainda bem que foi possível convencê-lo.
São bons passos.