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14 DE MARÇO DE 2019

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imparidades é da responsabilidade do BES (Banco Espírito Santo) e de quem o dirigiu. O BES era um dos

grandes proprietários imobiliários de Portugal, que dispunha de terrenos e imóveis com excelentes localizações,

mas teve, como se costuma dizer, «mais olhos que barriga», sobreavaliou aquilo que tinha.

Conheço bem esse fenómeno de alavancagem. Sei que é através dos arquitetos e dos autarcas que se

fabrica aquilo a que há muito tempo chamei «nova moeda»: metros quadrados de construção. Trata-se de

multiplicar, através de sucessivas decisões urbanísticas, o valor do imóvel. Nem é preciso executar a obra, basta

obter a aprovação dos projetos com as alterações de uso e de espaço edificável que se pretendem.

A desalavancagem do Novo Banco está agora em curso. Na limpeza do balanço que tem vindo a fazer, estão

a ser vendidos ativos imobiliários não estratégicos, ao desbarato e com grandes perdas, ao primeiro que se

apresente. No geral, a um hedge fund, outro eufemismo para fundo abutre.

Em dezembro passado, consumou-se o contrato de promessa do Projeto Viriato do Novo Banco. A carteira

imobiliária, com o valor contabilístico de 717 milhões de euros, era composta por 8726 propriedades com

diferentes usos — residencial, industrial, comercial e terrenos —, foi vendida à Anchorage Capital Group, que

pagou apenas 389 milhões de euros. Uma pechincha.

De caminho, a imparidade correspondente foi limpa do balanço e a perda soma-se às outras que os

resultados do Novo Banco refletem. Certo, certo é que o buraco será, mais uma vez, coberto pelo Fundo de

Resolução, com a ajuda de um empréstimo milionário do Estado.

Podia ser de outra maneira? Podia, mas o caminho escolhido foi este complexo mecanismo de capitalização

contingente, também conhecido, por parte da Sr.ª Deputada Catarina Martins, por «Maria Albertina», que mais

não é do que uma tentativa póstuma de controlo de danos através da restante banca e do Estado.

Admito que a nacionalização simples do Novo Banco, que é defendida por algumas bancadas nesta Casa,

pudesse ter custos mais elevados, como o Primeiro-Ministro aqui já disse. Mas já lá vão alguns milhares de

milhões de euros e o processo ainda não terminou. Não conheço sequer a dimensão exata das imparidades do

Novo Banco, em particular as que resultam de ativos imobiliários, mas, pelo que temos visto, será colossal.

A questão que vos trago, Srs. Deputados, é muito simples: já que, direta ou indiretamente, somos todos

chamados a pagar para manter a confiança dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro, já que a

nacionalização do Novo Banco, que alguns aqui defendem, foi descartada, porque não há de o imobiliário não

estratégico do Novo Banco ficar na posse do Estado? Porque se aceita passivamente que ele seja vendido ao

desbarato, ainda por cima quando o mercado está sobreaquecido, quando afinal precisamos «como de pão para

a boca» de imobiliário público para habitação?

Sr.as e Srs. Deputados, está em discussão a futura lei de bases da habitação. Sabemos que em Portugal, ao

contrário do que acontece em grande parte da Europa, apenas 2% dos recursos habitacionais do País são

públicos, sendo os restantes 98% privados. Deixem-me fazer uma precisão: os 2% públicos dividem-se em 0,2%

do Estado e em 1,8% dos municípios. Repito, 0,2% do Estado. É impossível, em minha opinião, garantir o direito

constitucional à habitação, que compete ao Estado, a partir de uma capacidade tão pequena, tão ridícula até.

Que fazer, então? Desde logo, o Estado tem de se chegar à frente sempre que grandes carteiras de

imobiliário são transacionadas a preço de saldo, como está a acontecer. O Projeto Viriato não é filho único. Há

bem pouco tempo, a Fidelidade vendeu perto de 2500 imóveis por 425 milhões de euros, dos quais também só

recebeu uma parte. Foi outra oportunidade perdida.

Mas o caso do Novo Banco tem uma agravante. É que se exige ao Estado que ele ajude a suportar as perdas

para o banco se tornar apetecível para a revenda, essa, sim, certamente lucrativa, por quem nada pagou pela

aquisição.

Há mais imóveis na calha para suceder ao Projeto Viriato.

Em minha opinião, está mais do que na altura de o Estado abrir o radar. Não sei exatamente, Srs. Deputados,

e não sou especialista destas matérias, qual será a melhor solução técnica. Não sei se é um direito de

preferência do Estado, se é uma exigência maior de controlo, se é outra solução qualquer. O que sei é que o

caminho atual é desproporcionado e injusto, e, no final de contas, ficamos sem nada: nem banco, nem

imobiliário.

Dir-me-ão que o Estado nem sempre é bom gestor imobiliário. Isso é verdade, mas chamem as cooperativas,

chamem as novas modalidades de habitação colaborativa, chamem a capacidade de inovação da geração

jovem, tão qualificada e tão maltratada no seu direito à habitação. Há tanto caminho a fazer!