I SÉRIE — NÚMERO 61
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Isto significa que é nosso dever tomar uma posição política, assumir políticas positivas de emprego.
Uma das dificuldades que temos é a de identificar uma pessoa negra como portuguesa. Anos e anos de
afirmação da nacionalidade com base no critério do sangue, mesmo que agora já mitigado, leva a que a pele
conte mais para a integração intuitiva do outro do que o facto de esse outro ser parte da comunidade porque
aqui nasceu, ou porque aqui trabalha, e colabora como qualquer outra pessoa para a cidade.
«É portuguesa?», «É português?», até no telejornal ouvimos esta pergunta absurda, e não preciso de dizer
qual a cor da pele dos visados.
O caminho certo é o de ser português quem nasce em Portugal.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Falemos de tudo isto! Falemos de projetos-piloto na área da
discriminação racial, como há nas áreas de género e da deficiência. Falemos da figura do mediador sociocultural.
Façamos o diagnóstico da situação carcerária de pessoas não brancas. Façamos uma política nesta matéria
transversal a todas as áreas da governação.
Reconheçamos voz e poder a homens e mulheres que sabem do que falam, porque são o lugar da fala.
Sei que já fizemos alguma coisa, e falo pela esquerda a que pertenço, mas sei que esperam muito mais de
nós. Assumamos este combate como estruturante da nossa identidade política.
Aplausos do PS e do Deputado do BE José Manuel Pureza.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Registam-se duas inscrições para pedir esclarecimentos. Como
pretende responder, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Em conjunto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado
José Manuel Pureza.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Moreira, na
verdade, não é um pedido de esclarecimentos que lhe quero fazer, mas, enfim, recorro a essa figura regimental
para lhe dar eco daquilo que a sua intervenção, que quero saudar, provocou em mim e neste grupo parlamentar.
Queria sublinhar a clarividência de muitas das suas palavras, a propósito do lastro colonial que está presente
nesta questão, no discurso da negação como um dos principais problemas a enfrentar aqui, no apoio que
expressou a um princípio basilar de que quem nasce em Portugal deve ser português.
Tem razão a Sr.ª Deputada! O racismo é um atentado grosseiro contra os direitos humanos; o racismo é, em
si mesmo, uma diminuição da democracia. E anda mal quem pensar, quem achar que o racismo é apenas aquilo
que se exprime em palavras grosseiras ou em gestos primários. Não é! O racismo é muito mais do que isso!
Como a Sr.ª Deputada muito bem expressou na sua intervenção, hoje estamos confrontados com a existência
desse racismo primário, mas também, e sobretudo, com a existência de um racismo institucionalizado, de um
racismo estrutural que se exprime em cultura institucional, que se exprime em programas escolares, que se
exprime em tantas expressões que são tidas como normais, como naturais. Esse é o perigo essencial que temos
de enfrentar.
É o racismo que naturaliza estereótipos, como a Sr.ª Deputada expressou na sua intervenção. É o racismo
que torna as pessoas ou os grupos racializados em discriminados naturais de determinadas medidas, em alvos
naturais, tudo isto entre aspas, naturalmente, de suspeição, de criminalização e também de guetização nas
nossas sociedades.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente.