I SÉRIE — NÚMERO 61
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O Sr. Paulo Trigo Pereira (N insc.): — De facto, o voto para manter o objetivo de médio prazo significa exigir
a Portugal que tenha um excedente primário da ordem dos 4,5% do PIB em 2021, ou seja, 9000 milhões de
euros de excedente primário.
Tem o Grupo Parlamentar do PS a noção das implicações orçamentais, nos próximos anos, da redução das
propinas no ensino superior, do descongelamento das carreiras e atualização salarial na função pública, de
novos subsídios de apoio aos cuidadores informais, da contratação de mais médicos e enfermeiros? Acho que
não.
Não é possível melhorar a qualidade dos serviços públicos e querer, simultaneamente, ter excedentes desta
natureza.
Estávamos habituados a ver PSD e CDS a ir para além da troica, mas ter o PS a aceitar a redução do espaço
de decisão democrática nacional e a ir para além do tratado orçamental — repito, para além do tratado
orçamental! — não deixa de ser contraditório e preocupante. Só esperamos que o Governo do PS seja mais
realista e menos conservador do que o seu Grupo Parlamentar mostrou aqui ser.
Uma segunda regra para o reforço da qualidade da democracia relaciona-se com o âmbito onde podem surgir
iniciativas legislativas dos cidadãos. Hoje, são necessárias 20 000 assinaturas para os cidadãos apresentarem
projetos de lei na Assembleia da República. Podem, por exemplo, ter uma iniciativa legislativa para manter
abertas as farmácias hospitalares, como recentemente aqui foi aprovado, mas se quiserem ter uma iniciativa
para alterar o sistema eleitoral — a meu ver, um ingrediente indispensável para a reforma do sistema político —
, sejam 20 000 ou meio milhão de assinaturas, não a podem concretizar. Isto, porque a lei em vigor impede que
os cidadãos submetam projetos relativamente a matérias do domínio de reserva absoluta da Assembleia da
República, com uma única exceção: as bases da educação.
Qual o argumento constitucional que sustenta esta restrição à iniciativa dos cidadãos? Existe? Não existe.
Há alguma razão para que os cidadãos não possam apresentar uma proposta de reforma do sistema eleitoral,
definido há mais de 40 anos, que só permite votar em partidos e não, também, personalizar o voto em
candidatos? Não há.
Será que as iniciativas legislativas dos cidadãos diminuem o papel ou as competências exclusivas da
Assembleia da República? Não. Compete exclusivamente à Assembleia da República deliberar, aprovar ou
rejeitar, e, no caso de aprovação na generalidade, alterar esses projetos de lei na especialidade. Porquê, então,
limitar desnecessariamente a iniciativa cidadã? Não percebo.
O reforço adequado dos direitos dos cidadãos melhora a qualidade da democracia.
Sr. Presidente, concluo com a seguinte ideia: não necessitamos, nem são exequíveis, grandes reformas do
sistema político, mas sim algumas pequenas reformas que fortaleçam a democracia europeia e nacional. Sem
elas, o caminho para a vulnerabilidade e, quiçá, a decadência das democracias torna-se mais provável.
Podemos evitar que isso aconteça, só depende de nós.
O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Ninguém bate palmas?!
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Não se registando inscrições para pedidos de esclarecimento,
passamos à intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Moreira, nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 76.º do Regimento.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se há coisa que foi globalizada
foi o racismo. O campeonato de que sociedade é mais ou menos racista não faz sentido; todas as sociedades
que participaram do processo colonial ou que dele beneficiaram são-no. É estrutural e histórico. O problema é
o velho discurso oficial da negação.
O espaço para um debate construtivo e continuado é parco, como se falar de racismo fosse aumentar o
racismo.
Aqui, temos uma dívida histórica com o movimento social antirracista e com comunidades negras e ciganas,
pois são eles que têm obrigado Portugal a ver o que o País apaga.
Temos de interiorizar a questão do racismo e o seu combate e fazer disso programa político. O legislador
constituinte, no artigo 13.º, n.º 2, enumerou os fatores de discriminação identificados na sociedade, com peso
histórico inegável, e conferiu-lhes uma proteção especial. A Lei Fundamental, ao eleger a «raça» como um
desses fatores, espelha a certeza de que a discriminação racial existe.