I SÉRIE — NÚMERO 1
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O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, naturalmente, começar por cumprimentar a associação Transparência e Integridade e também, necessariamente, todos os signatários
que desafiam a nossa atenção e o nosso trabalho.
O combate à corrupção será sempre um bom combate se for sério e não um mero discurso de agitação para
atirar lama à democracia, será sempre um bom combate se for determinado contra os poderes dos grandes,
que movimentam fortunas na sombra ou patrocinam soluções legislativas para se protegerem, e não uma
acusação para o ar e sem critério. É por isso que este é um combate muito difícil, porque exige muito mais do
que farronca, exige toda a lucidez e toda a coragem política.
Registamos que o Governo colocou recentemente em discussão pública a sua proposta de uma estratégia
nacional de combate à corrupção. Mais do que o nome e mais do que a escala, interessa-nos o acerto das
medidas propostas. Faremos essa avaliação em breve, aqui, na Assembleia da República.
Mas há algo que quero adiantar hoje, em nome do Bloco de Esquerda: é que a paulatina abertura à delação
premiada, mesmo sem lhe chamar o nome, esse paulatino acolhimento de uma jurisdição penal negociada nos
parece perigoso e incapaz de alcançar o que é verdadeiramente decisivo para este combate.
Em vez de importar essa lógica, o Governo teria feito bem melhor se tivesse importado um princípio
fundamental do combate à corrupção: follow the money, isto é, seguir o rasto do dinheiro. E seguir o rasto do
dinheiro significa criminalizar o enriquecimento injustificado e acabar com a impunidade dos offshore, sem
subterfúgios, porque esse enriquecimento e esses buracos negros de tributação são os rostos da acumulação
do dinheiro da corrupção.
Isto exige meios, claro que exige. A delação fica mais barata, pois claro que fica. Mas a exigência da
democracia tem de ser a maior e a afetação de meios à deteção do rasto do dinheiro é a escolha à altura dessa
exigência. Esse é o nosso compromisso, o compromisso do Bloco de Esquerda.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós também entendemos que o combate à corrupção é um imperativo democrático e um imperativo para uma sociedade que todos queremos mais decente
e dotada de transparência, em que os cidadãos possam, efetivamente, confiar.
Mas não subscrevemos um certo discurso populista contra a corrupção, que se alimenta a si próprio, que
espalha suspeitas generalizadas, que, por mais medidas que houvesse, por mais resultados que fossem obtidos,
continuaria a dizer o mesmo, que temos uma impunidade total, que somos um País de corruptos, e que, ao
mesmo tempo que faz este discurso, absolve as reais causas da corrupção e protege, efetivamente, os maiores
corruptos. E há experiências, como a Sr.ª Deputada Claúdia Santos referiu, que nos deveriam fazer refletir sobre
esse tipo de discurso e as suas consequências, quando esse tipo de discurso consegue obter uma certa
aceitação popular significativa, como, efetivamente, aconteceu já noutras latitudes.
Não poderia estar mais de acordo com o que a Sr.ª Deputada Cláudia Santos e o Sr. Deputado José Manuel
Pureza agora acabam de dizer relativamente aos perigos de procurar importar, para Portugal, soluções que não
são soluções de combate à corrupção, mas que são elementos de destruição do Estado de direito democrático,
que, também em nome do combate à corrupção, é um imperativo democrático defender de forma intransigente.
Esse certo discurso anticorrupção não condena a maior causa da corrupção em Portugal nos últimos anos,
que foi o criminoso processo de privatizações, de alienação, ao desbarato, do mais valioso património público
empresarial existente no nosso País; absolve completamente aquisições de equipamentos militares com falsas
contrapartidas, que lesaram o Estado português em muitos milhões; absolve as parcerias público-privadas em
vários domínios, que são um sorvedouro de dinheiros públicos, em benefício de interesses privados; absolve a
opacidade dos offshore; absolve o conluio entre o poder político e o poder económico; absolve a arbitragem
fiscal, que é uma forma de ilibar os maiores devedores daquilo que devem ao fisco, e, aí, efetivamente, esse
discurso não toca, preferindo lançar um anátema sobre um conjunto da sociedade, apelidando-o de «uma
sociedade de corruptos».