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23 DE OUTUBRO DE 2020

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O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Preciso de fazer uma prévia declaração de interesses, porque defendo publicamente, desde 1996, aquilo que hoje, nos projetos

apresentados nesta Assembleia, designamos como «morte medicamente assistida» e porque tenho de

confessar que a proposta que nos chega da Comissão de Assuntos Constitucionais — a que já não pertenço e

que aqui não posso representar — envolve uma pergunta, no mínimo, bizarra, sobretudo se ponderarmos que

essa é a pergunta que se propõe dirigir às pessoas, ao povo.

A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — Bem lembrado!

O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — É uma pergunta inaceitável, que merece, mais do que um debate político ideológico, mais do que um debate sério, nesta Casa, uma extensa análise literária, que não é nossa

função fazer nem temos tempo para realizar.

Todavia, é fundamental ter em conta aquilo que é proposto como a pergunta que deve ser feita ao povo

português e que, bem ao contrário do que já foi afirmado, manifesta um extraordinário desprezo por esse

povo, que nos cabe defender.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — A nós, sabemo-nos defender muito bem. Este povo ausente, aqui presente por nossa mediação, é que não merece que se lhe dirijam questões deste teor. Leio: «Concorda que

matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em

quaisquer circunstâncias?» É um insulto!

Aplausos do PS, do BE e da Deputada do PSD Mónica Quintela.

A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — É uma vergonha!

O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — Aliás, o teor e a forma de redação desta pergunta já foram suficientemente desmascarados para vos ocupar mais tempo com essa matéria.

Queria chamar a atenção para o seguinte: esta pergunta não é sobre o desejo de morte. O desejo de morte

é uma coisa humana, exclusivamente humana. O desejo de morte é o problema daqueles para quem estamos

a discutir, desde a última Legislatura, e nesta Legislatura também, com vários projetos, várias propostas de

resposta para a questão dramática, para o sacrifício indizível de quem, sem esperança, sem alternativa, sem

expectativa de qualquer terapia que lhe possa pôr cobro ou amenizar o sofrimento em que vive, deseja, no

íntimo do seu coração, a morte e para quem, no quadro da assistência médica indispensável, se comprova ser

assim e se avalia até que ponto uma exceção para esses casos extremos não será um dever cívico de quem

representa o povo nesta Casa.

Aplausos do PS e do BE.

Esta é a questão de fundo desta pergunta. Esta pergunta nada tem a ver com a situação daqueles para os

quais procuramos uma resposta decente, humanamente digna. Tem a ver com quê? Não tem a ver com isto!

As religiões foram construídas em torno deste desejo de morte e em torno, também, da tentativa de a tornar

desejável — todas elas! É uma questão profunda, antropológica, científica, filosófica, metafísica, teológica, e

querem resolver isto com uma pergunta deste género? Não!

O que pretendem é muito claro: atacar o ato de matar e o seu autor. É colocar a tónica não na vítima,

digamos assim, mas naquele que, por compaixão, por piedade, por sentimentos humanos, se debate, na sua

própria consciência, com o que deve fazer, cuja liberdade de nenhuma forma é limitada por esta Casa, em

nenhum dos projetos que estão em debate na Comissão de Assuntos Constitucionais, em sede de