I SÉRIE — NÚMERO 32
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Este facto deveria pesar nas consciências de todos os decisores. Há uma dívida imensa para com os povos
de África, mas continuamos a considerar que tudo o que aconteceu após a descolonização é culpa dos africanos.
É possível que este saque continue eternamente sem que as populações reajam? Não é. Moçambique é o
sétimo país mais pobre do mundo. Cabo Delgado é a província mais pobre de Moçambique. Os insurgentes
atuam sobretudo junto dos jovens, que, sem esperança numa vida melhor, se deixam seduzir.
Para o Bloco de Esquerda, a solução tem de ser encontrada no multilateralismo, no âmbito da comunidade
internacional, de pendor humanitário e com medidas de prevenção e de mediação de conflitos.
A União Europeia tem de exercer o controlo das empresas que operam na região, no âmbito da transparência
da indústria extrativa.
A força das armas pode resolver o episódio de violência que ocorre na região, mas será sempre uma solução
temporária.
A solução definitiva passa por medidas estruturais e planeadas com o Governo moçambicano, tais como um
plano de desenvolvimento que tenha como condição que uma parte substancial da riqueza gerada pela
exploração do gás fique na região e seja investida na melhoria das condições de vida, assim como a criação de
um fundo destinado às gerações atuais e vindouras de Moçambique que acabe de vez com a pobreza.
A comunidade internacional deve assumir a responsabilidade histórica e tem de ter uma resposta eficaz de
longo prazo para o desenvolvimento em África, reparando séculos de exploração de pessoas e de recursos.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pisco, do PS.
O Sr. Paulo Pisco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde há muito tempo que o Grupo Parlamentar do PS considera que a situação na província de Cabo Delgado não pode ser ignorada pela
comunidade internacional. Mas também consideramos que a abordagem de um problema tão complexo e
sensível como este exige a devida sobriedade diplomática no respeito pela soberania de Moçambique, o que
parece que nem sempre é bem compreendido por alguns.
Moçambique é um país irmão, membro da CPLP, com o qual Portugal tem uma amizade profunda.
Conhecemo-nos bem e por isso somos parceiros privilegiados na cooperação para o desenvolvimento em vários
domínios e temos cimeiras bilaterais regulares. E Moçambique sabe que pode contar com Portugal, que sempre
tem sido um seu ativo defensor nas instâncias internacionais, muito particularmente na União Europeia.
Nada do que acontece neste país nos é estranho, onde também devemos realçar a importante comunidade
portuguesa que merece igualmente toda a atenção.
Por isso, à medida que surgiam as notícias de ataques terroristas no norte de Moçambique, sobretudo desde
há três anos a esta parte, fragilizando populações já de si com vidas muito precárias, a perceção sobre a
necessidade de apoiar Moçambique foi-se tornando cada vez mais inadiável.
A situação é dramática e desenrola-se em várias frentes, mas as que suscitam maior preocupação são: a
expansão territorial da ameaça jihadista, com os seus métodos bárbaros que massacram populações e destroem
aldeias, e a grave crise humanitária que esses ataques têm provocado, fazendo já cerca de 2000 mortos e cerca
de meio milhão de deslocados.
Causa também muita preocupação a participação de insurgentes estrangeiros, que faz recear uma
internacionalização do conflito, a crescente sofisticação do seu material bélico e das táticas de combate, a
ameaça à integridade e à soberania do Estado moçambicano, os interesses ilegítimos que se cruzam no terreno,
a violação dos direitos humanos ou as limitações à liberdade de imprensa, tudo questões já perfeitamente
identificadas quer pela União Europeia quer pelas Nações Unidas.
É natural, portanto, que haja cada vez mais vozes a manifestar a sua preocupação que não devem ser
ignoradas, seja das autoridades religiosas, como o bispo de Pemba, ou das organizações da sociedade civil em
Cabo Delgado e no resto do país.
Os apelos das Nações Unidas, da União Europeia, de Portugal, de outros países e de outras organizações
regionais pretendem tão-só ajudar a parar a barbárie e o sofrimento de muitos moçambicanos sem nunca pôr
em causa o respeito pela soberania do país.