14 DE JANEIRO DE 2021
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vossa governação, o qual nós conseguimos corrigir, valorizando os rendimentos, os salários, as pensões e uma
visão integrada do Estado social.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mónica
Quintela, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo português inicia a
Presidência do Conselho da União Europeia debaixo de uma chuva de fortes críticas, vindas de vários
quadrantes, à forma obscura como procedeu à nomeação do procurador europeu. Esta nomeação tem suscitado
acesa polémica, porque num Estado democrático não podemos aceitar — e não aceitamos! — qualquer tentativa
de instrumentalização da justiça.
A cada dia que passa são conhecidos novos factos que demonstram, cabal e inequivocamente, que o Sr.
Primeiro-Ministro e a Sr.ª Ministra da Justiça faltaram à verdade. Fizeram-no no Parlamento e nas declarações
que têm prestado aos órgãos de comunicação social, e isto é muito grave, Sr.as e Srs. Deputados.
Note-se que a Sr.ª Ministra da Justiça disse, numa entrevista recente à RTP (Radiotelevisão Portuguesa),
que desconhecia o documento enviado pelo seu Ministério e que tal documento era da lavra exclusiva da
Direção-Geral da Política de Justiça. E rolou a cabeça do então diretor! Entretanto, este emitiu um comunicado
a desmentir as declarações da Sr.ª Ministra da Justiça e deu também uma entrevista nesse sentido.
Com estes antecedentes, a Sr.ª Ministra da Justiça, ouvida nesta Casa no passado dia 7, afinal, admitiu que
foi ela que convocou uma reunião e que deu instruções para a elaboração do referido documento, instruções
essas que tinham como propósito fundamentar a escolha do Governo.
A redação do documento é conhecida e não tem correspondência com o currículo do Sr. Procurador José
Guerra. A Sr.ª Ministra da Justiça disse que não leu o documento que terá sido elaborado pelos seus serviços,
sob sua orientação. O Conselho Europeu tomou por boas as informações prestadas pela Sr.ª Ministra e aceitou
nomear a escolha do Governo português.
Recordemos o quadro jurídico que prevê a seleção, graduação e nomeação dos procuradores europeus.
Como a Sr.ª Ministra da Justiça e o Sr. Primeiro-Ministro muito bem sabem, o Regulamento (UE) 2017/1939,
que instituiu a Procuradoria Europeia, dispõe, no seu artigo 16.º, n.º 3, que os procuradores europeus são
nomeados pelo Conselho e não pelo Governo. E não pelo Governo, como falsa e erradamente o Sr. Primeiro-
Ministro e a Sr.ª Ministra da Justiça têm insistido em divulgar, na lógica de que uma mentira muitas vezes
repetida passa a ser verdade. Mas nós conhecemos a lei e, de resto, é obrigação desta Câmara conhecer bem
a legislação que a cada momento está a ser discutida.
O Governo não pode escolher quem muito bem entende, como erradamente fez e de que, ainda por cima,
se gaba. A tramitação legal da seleção do procurador europeu está bem explícita no seu regulamento, o qual
prevê, no artigo 16.º, que cada Estado-Membro designa três candidatos, sem qualquer graduação entre eles,
para serem avaliados pelo comité de seleção europeu.
Cumpre referir, para os mais desatentos — ali para o PCP! —, que este comité, previsto nas disposições
conjugadas nos artigo 16.º, n.º 2, e 14.º, n.º 3, do artigo do Regulamento, é composto por 11 membros propostos
pela Comissão e por um membro proposto pelo Parlamento Europeu, sendo os jurados oriundos das mais altas
instâncias judiciais, como o Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Contas, conselheiros e
procuradores dos supremos tribunais e outros juristas de reconhecido mérito. Questionar a qualidade,
competência, isenção e finalidade deste painel é um tiro no pé. De resto, foi criado, precisamente, para garantir
que a seleção dos procuradores europeus obedecia aos requisitos estabelecidos pela União Europeia, atento o
escopo e a importância da recém-criada Procuradoria Europeia no combate à fraude contra os fundos da União.
Se fosse para os Governos dos Estados-Membros indicarem o seu comissário ou enviado, não teria sido
criado o comité de seleção, sob pena de a sua própria existência carecer de sentido e de não se compreender
por que iam os outros candidatos prestar provas perante o comité se, afinal, já estava escolhido um. E como
ninguém pode transmitir aquilo que não possui, não pode o Governo transferir qualquer competência de escolha
para os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público. O que estes Conselhos podem fazer é
apurar, cada um deles, três candidatos e indicá-los à Ministra da Justiça, sem qualquer graduação ou hierarquia.