9 DE ABRIL DE 2021
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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado
João Oliveira, do PCP.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria começar a intervenção neste
debate citando o meu camarada António Filipe, na intervenção que fez no dia 19 de maio de 2006, quando se
discutiu, precisamente, a alteração ao Estatuto dos Deputados que hoje está, novamente, em apreciação.
Dizia o meu camarada António Filipe, no dia 19 de maio de 2006: «Se este projeto for aprovado, daí em
diante, um Deputado só poderá suspender o mandato se contrair uma doença prolongada que o afaste
compulsivamente do Parlamento, se gozar de licença de maternidade ou de paternidade ou se for acusado de
qualquer crime que implique a suspensão do mandato. Para além disso, nada, absolutamente nada mais será
relevante para que o mandato possa ser suspenso.»
E continuava: «Srs. Deputados do Partido Socialista, peço-lhes que reflitam, por favor, sobre alguns
exemplos, como o seguinte: um Deputado assume funções como presidente ou secretário-geral de um partido,
ou candidata-se a esse cargo. Durante um período limitado no tempo, entende legitimamente que a sua
disponibilidade para o exercício do mandato parlamentar é mais reduzida e, em vez de justificar faltas por motivo
de trabalho político, decide não sobrecarregar o erário público, nem prejudicar o trabalho da Assembleia, e pede
a suspensão. Os senhores acham que isto não faz sentido?!
Outro exemplo: um Deputado candidata-se a presidente de uma câmara municipal ou a Presidente da
República e, embora nada o obrigue a fazê-lo, entende que, dada a sua particular ocupação durante o período
de campanha eleitoral, seria preferível não sobrecarregar o erário público nem o trabalho do Parlamento e pede,
por um período limitado, a sua substituição. Os senhores também acham que isto não faz nenhum sentido?!
Digo-lhes mais: um Deputado tem a infelicidade de ser confrontado com uma situação de doença de um
familiar próximo. Suponham que esse familiar precisa de se deslocar ao estrangeiro para tratamento e que o
Deputado em causa tem absoluta necessidade de o acompanhar.
Até agora, poderia suspender o mandato por um período limitado. Se o projeto do PS for aprovado ou
renuncia ou dá faltas injustificadas. Os senhores acham que proibir a suspensão, num caso destes, faz algum
sentido?!»
Sr.as e Srs. Deputados, nós não somos bruxos, mas também não era preciso ser bruxo para adivinhar, em
2006, aquilo que naturalmente iria resultar das alterações que, na altura, a maioria absoluta do Partido Socialista
impôs ao Estatuto dos Deputados.
Felizmente, não é preciso bruxaria para olhar para trás e perceber o que tem acontecido ao longo dos anos
e o que estas alterações, aprovadas há 14 anos e em vigor há 12, tiveram como consequência do ponto de vista
da possibilidade de suspensão dos mandatos dos Deputados.
Não é preciso, Sr.as e Srs. Deputados, procurar entorses à lei que está em vigor para resolver problemas que
não podem ser resolvidos com entorses à lei. A circunstância que tivemos há pouco tempo de decidir a propósito
de um Deputado que foi candidato a Presidente da República não pode, naturalmente, ser resolvida com uma
entorse à lei. Se a lei está em vigor, é essa a lei que tem de ser aplicada. Mas se a lei é absurda, essa lei tem
de ser alterada.
Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, o PCP acompanhará as iniciativas que aqui são apresentadas. Não
votaremos contra nenhuma das iniciativas, ainda que não votemos a favor do projeto de lei apresentado pelo
PAN na medida em que ele acaba por circunscrever de forma, ainda assim, muito limitada as possibilidades de
suspensão do mandato, que não devem estar limitadas da forma como o PAN propõe que sejam.
Acompanharemos, no entanto, em sede de especialidade, o trabalho que tem de ser feito de modo a que
quer a proposta do PSD quer a proposta do CDS possam ser, de alguma forma, buriladas para que se encontre
uma redação que não deixe em completa circunstância de discricionariedade a possibilidade de suspensão do
mandato.
Mas é óbvia a constatação que temos de fazer: hoje, em 2021, passados quase 15 anos da discussão que
foi feita, em 2006, sobre aquelas alterações ao Estatuto dos Deputados, é manifestamente evidente que elas
introduziram limitações e obstáculos, quanto à possibilidade de suspensão do mandato, que têm de ser
ultrapassados.