22 DE ABRIL DE 2021
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A opção parte das famílias, que identificam anacronismos e problemas estruturais no sistema educativo.
Acham que a formatação do sistema de ensino, que ainda se centra mais na classificação e menos no que
devia, que são os alunos, não é compatível com a educação que querem dar aos seus filhos.
Acrescenta-se, ainda, a falta de rejuvenescimento dos docentes, o cansaço e fadiga dos professores, as
turmas enormes, os longos tempos letivos, a compulsão avaliativa formal, de cima para baixo, o desajustamento
dos programas a nível etário e, sobretudo, a falta de tempo para brincar e jogar. A brincadeira e o jogo são
instrumentos de aprendizagem muito poderosos e limitar os tempos livres para a brincadeira e para o jogo coarta
o desenvolvimento da autonomia, da criatividade, da imaginação, da destreza, da agilidade, entre outras
competências.
No rol dos problemas estruturais estão, também, a diminuição das visitas de estudo, a quase ausência da
música, das artes, do exercício físico e da destreza manual e a demasiada preocupação com o Português e a
Matemática. A pressão dos exames e dos rankings, com aulas e explicações a toda a hora, é um problema que
não pode ser ignorado.
Estas são as razões legítimas para escolher o ensino doméstico, desde que estas crianças não percam o
contacto com o sistema de ensino e os recursos disponíveis na escola pública.
No entanto, este modelo de ensino também acarreta riscos: nem todas as famílias têm acesso a um universo
cultural adequado às aprendizagens essenciais e ao perfil do aluno; há o risco de fechamento no universo
ideológico, religioso e moral da família, bem como de menor contacto com outras realidades socioculturais; exige
a total disponibilidade dos pais; pode potenciar o risco de exclusão e de menor sentido de pertença comunitária;
e, segundo os estudos, o ensino doméstico pesa mais sobre as mães do que sobre os pais, perpetuando
estereótipos de género.
Ainda assim, o ensino doméstico e o ensino individualizado podem apresentar vantagens. Há casos de
intervenção da comunidade em ações de voluntariado; há liberdade para visitar e viajar, mas só para as famílias
que o podem fazer; contribui para o povoamento de locais mais desertificados do nosso País, onde escolas
foram fechadas; há mais dinamismo na comunidade que recebe uma família com filhos, mas que não tem escola;
corresponde a modos alternativos de vida quase sempre mais frugais e ecológicos e menos ligados à sociedade
de consumo, com proximidade a atividades económicas tradicionais e fora dos grandes centros populacionais.
Por tudo isto, o Bloco de Esquerda considera que, antes de a Assembleia da República aprovar a proposta
de lei do Governo, é necessário promover a discussão pública parlamentar, a audição de entidades,
nomeadamente associações, e de especialistas, com o debate na especialidade.
Não entendemos a pressa do Governo, em querer pressionar a Assembleia da República para decidir sobre
uma matéria tão relevante, uma lei fundamental e com muitas implicações no percurso educativo e escolar dos
alunos.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do PCP.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Adjunto e
da Educação: O Governo pretende que a Assembleia da República se pronuncie sobre o pedido de autorização
legislativa que incide na aprovação do regime jurídico aplicável ao ensino individual e ao ensino doméstico, que
abrange alunos da escolaridade obrigatória, proposta que será, então, votada amanhã.
Se me permite, Sr. Secretário de Estado, colocarei algumas questões, porque, de facto, importa esclarecer
aqui alguns aspetos que, creio, são importantes.
Em relação a esta matéria, gostávamos de perceber exatamente qual o calendário que está previsto
desenvolver para a implementação de todo este processo e da medida que está aqui em apreciação. E,
nomeadamente em relação ao conteúdo da legislação, gostávamos de saber com mais detalhe se há alguma
intencionalidade prática de que ela esteja já em plena implementação no arranque do próximo ano letivo.
Na verdade, por aquilo que podemos ver, o decreto-lei autorizado vem transpor de uma forma muito ampla
o teor de uma portaria que já é conhecida e, portanto, há várias questões que não são propriamente novidade.
Mas, uma vez que falamos em termos de calendário, para nós, importava perceber exatamente o ponto de
situação da auscultação de entidades sobre aquilo que está aqui colocado.