I SÉRIE — NÚMERO 59
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segurança no emprego, ao salário digno e à igualdade de género, o direito à cultura, à habitação e a um
ambiente sadio. Um Portugal aberto ao mundo, que contribuiu para construção da União Europeia.
Quarenta e sete anos depois, podemos dizer que, graças à Revolução dos Cravos, o Portugal de hoje é um
Estado de direito democrático.
Mas o Portugal amordaçado deu lugar a um Portugal capturado por interesses instalados que enclausuram
a democracia na bolha das opções políticas do bloco central e que, tantas vezes, servem apenas algumas
pessoas ou grupos, gerando a desilusão e a revolta social que abrem espaço ao oportunismo que vende o
ódio, o medo e a institucionalização da discriminação como remédios para curar esta democracia doente.
Este é um Portugal capturado pela corrupção e pela falta de transparência, com instituições que vivem bem
com o facto de apenas 1% das queixas sobre crimes de corrupção darem origem a condenações. É um País
que vive bem em perder anualmente mais de 18 000 milhões de euros para a corrupção — repare-se: só
durante o tempo desta curta intervenção, a corrupção leva-nos 205 000 €. Podemos agradecer a quem pouco
ou nada tem feito para mudar esta realidade, isto é, ao bloco central.
O País que tem a pior pontuação da década no índice de perceção da corrupção e que é reiteradamente
instado por organizações internacionais a adotar as respetivas medidas de combate, é o mesmo País que
convive bem com a existência de políticos-dirigentes de futebol e com tantas outras situações de conflitos de
interesses em detentores de cargos públicos; que teima em não ter uma lei de criminalização do
enriquecimento ilícito; que vive pintado pelas, tão oleadas, portas giratórias que servem para o bloco central
saltitar entre entidades públicas e privadas com interesses conflituantes; que, em dois anos, não implementou
a Entidade da Transparência e que — pasme-se! — tem motoristas do Tribunal Constitucional a verificar
assinaturas de candidaturas às eleições presidenciais.
E porquê? Por pura falta de vontade política! O dinheiro, esse, aparece sempre para as prioridades
definidas por quem detém o poder.
O País que, via evasão fiscal, perde anualmente mais de 1000 milhões de euros, o equivalente a 9% dos
gastos com educação, é o mesmo País que mantém um paraíso fiscal na Madeira, um viveiro do crime
organizado que permitiu a lavagem de dinheiro a altos quadros da cleptocracia angolana, a empresas-
fantasma do BES (Banco Espírito Santo) ou a magnatas do futebol.
O offshore da Madeira é uma lavandaria a céu aberto com o alto patrocínio do bloco central!
O País que dá 10 milhões de euros ao baronato da caça e mantém a legislação que sustenta a
tauromaquia é o mesmo País que, em 2021, apenas transfere menos de um terço da verba necessária para
políticas municipais de proteção e bem-estar animal, inclusive para cumprir a lei do não abate.
Quando o País precisa de medidas de proteção dos mais pobres e vulneráveis, o bloco central entende
continuar a patrocinar alguns dos setores mais violentos da nossa sociedade e a encher os bolsos a quem vive
à custa do sofrimento de quem não pode defender-se.
O País onde o ambiente recebe juras de amor de todos os partidos, em período eleitoral, continua refém
dos interesses das grandes poluidoras e das políticas coniventes do bloco central.
O Governo que diz não ter dinheiro para combater a pobreza energética, para aliviar a carga fiscal da
classe média ou para dar apoios sociais ao setor da cultura é o mesmo Governo que oferece mais de 500
milhões de euros anuais em benefícios perversos à indústria fóssil.
Enquanto o planeta derrete e se esgota, a ordem é para recuperar a economia através do aumento
ilimitado do consumo — tudo sem contrapartidas ambientais, sem olhar para o elefante que se afoga na sala.
Perante todas as oportunidades que o conhecimento e a ciência nos dão para travar a crise ambiental e o
colapso climático, o bloco central opta por construir aeroportos ou por cobrir o Alentejo de plástico e de
agrotóxicos.
O Portugal de 2021 não dá respostas aos desafios do século XXI. É urgente retirar a discussão e a decisão
políticas do cantão do imobilismo do bloco central, que tem servido de adubo ao terreno daqueles que querem
destruir a democracia e os seus valores fundamentais. Sei que o bloco central e os seus aliados informais
propagandeiam o isolamento e o radicalismo destas ideias e preocupações e, por isso, esta é uma ocasião
para que lembre as palavras de Natália Correia, uma mulher de Abril: «o destino das opiniões solitárias é
virem a estar excessivamente acompanhadas num tempo futuro».
Um Portugal mais transparente, justo e solidário, que torne a ação climática e o combate às desigualdades
nos grandes objetivos da presente década é o único Portugal possível para quem quer cumprir Abril.