I SÉRIE — NÚMERO 73
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Pretendemos, com estas iniciativas, construir um sistema de justiça adaptado às crianças, que lhes dê voz e
não que as silencie.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.as e Srs. Deputados, dando sequência às intervenções de apresentação das iniciativas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, gostaríamos de saudar e agradecer aos peticionários e peticionárias aqui presentes, em representação de mais de 48 000
peticionários, por trazerem hoje a esta Casa um tema tão importante, neste simbólico Dia da Criança.
O direito a uma infância segura, equilibrada e com afeto é inalienável e da sua garantia depende a capacidade
de a criança construir as bases de uma vida adulta realizada e feliz.
O impacto que a violência doméstica tem nas crianças não pode ser visto como meramente circunstancial
ou como uma externalidade.
Esta importante matéria surge até discriminada num parecer da Procuradoria-Geral da República, onde é
mencionada a ausência de «reconhecimento legal expresso das crianças enquanto vítimas do crime de violência
doméstica quando vivenciam esse contexto no seio da família que integram e quando sejam testemunhas
presenciais dessa mesma realidade.»
Os filhos de mulheres vítimas de violência doméstica têm uma taxa de retenção escolar cinco vezes superior
à média nacional. É uma consequência dos atos violentos a que assistem e que têm efeitos negativos no
rendimento escolar, além de provocar, evidentemente, dificuldades diversas do ponto de vista pessoal e social.
Além disso, mais de metade das crianças e jovens que convivem com situações em que a mãe é agredida não
são ainda sinalizadas junto das comissões de proteção de crianças e jovens.
Há cerca de 28 000 casos denunciados por ano e os menores sinalizados por terem assistido são cerca de
11 000.
Nos termos em que o crime de violência doméstica está atualmente construído, assistimos a um sinal
contrário ao reconhecimento e consagração da criança como vítima autónoma, diferenciada, titular de direitos
próprios e merecedora de idêntica tutela jurídico-penal, tal como indicado no parecer da Procuradoria-Geral da
República, sendo que a prova dessa contradição — e até de desconsideração incompreensível — é que a
criança surja como mero fator agravante do crime-base, em alguns casos.
Considerar a criança como mero agravante é instrumentalizá-la e desconsiderar as graves e profundas
consequências que esta violência acarreta para o crescimento de uma criança.
Não é razoável que se encolha os ombros e se diga que cabe ao tribunal aplicar o já existente estatuto de
vítima das crianças por razão da sua especial vulnerabilidade, quando todos sabemos que é um regime que
deixa muitas dúvidas na aplicação e para o qual é urgente uma clarificação legal. E é a esta Casa que cabe
esclarecer o que anteriormente deixou pouco claro.
Não podemos pensar num futuro onde permitimos, por facilidade, que às crianças vítimas de atos violentos
no contexto familiar não lhes seja dada a devida tutela.
À semelhança da proposta de lei apresentada e chumbada nesta Casa com os votos contra de PS e a
abstenção do PSD, do PCP, do CDS-PP, do PEV e do CH, e uma vez que ainda não foi solucionado o problema,
o PAN apresenta hoje uma iniciativa que visa clarificar o estatuto da criança, por forma a assegurar o
reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência
doméstica, procurando efetivar os direitos das crianças e salvaguardar o seu superior interesse.
Nas palavras de Nelson Mandela, «não existe revelação mais nítida da alma de uma sociedade do que a
forma como esta trata as suas crianças.»
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada Bebiana Cunha e obrigado também pelo cumprimento escrupuloso do tempo. Tem, aliás, 1 segundo de crédito.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia para apresentar a iniciativa legislativa do
CDS-PP.
Faça favor, Sr. Deputado.