I SÉRIE — NÚMERO 4
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Contudo, o que o Governo parece ter optado por fazer foi furtar-se àquele que é um dos maiores objetivos
da consulta pública: a participação alargada, informada e o mais representativa possível por parte dos cidadãos
e também dos municípios afetados.
Uma opção política como esta leva também, não podemos ignorar, a que, ato eleitoral após ato eleitoral, as
pessoas se sintam distanciadas da política, e, depois, todos parecem espantar-se — como ouvimos
recentemente — e lamentar-se pelos níveis cada vez mais baixos de participação cívica, questionando-se sobre
as razões da abstenção.
Sr.as e Srs. Deputados, a forma como estes processos são desrespeitosamente mal conduzidos é
seguramente uma das principais razões que afasta os cidadãos, com uma crescente ausência de participação
nos processos de consulta pública, havendo o total descrédito sobre os mesmos, o que consequentemente terá
impactos na abstenção. E quem sai prejudicado em qualquer dos casos são os cidadãos e o Estado democrático,
porque uma democracia onde não há participação é, sem dúvida alguma, uma democracia mais enfraquecida.
Aliás, veja-se que as áreas em estudo que o Governo pretende levar a concurso têm como problemático o
facto de, no norte e centro do País, abrangerem 27 municípios, dos quais mais de 20% irão mudar o executivo
municipal.
Como sabemos, a transição do poder autárquico não se faz de um dia para o outro e só deverá estar
concluída no final de outubro, o que deixa aos novos autarcas um prazo de apenas cerca de 12 dias úteis para
pronúncia, pelo que o PAN defende o alargamento do prazo de consulta pública. Acreditamos que a marcação
da consulta pública nesta fase de transição do poder executivo autárquico não terá sido intencional e
gostaríamos, por isso, de ver o Governo promover uma verdadeira consulta pública sobre esta matéria, com o
alargamento do prazo da mesma, deixando desde já o repto para esse mesmo efeito.
Por outro lado, numa análise preliminar ao documento, verificámos que o Governo, ao contrário do que disse
que faria, não incluiu no concurso áreas previamente delimitadas, que não englobam áreas protegidas de âmbito
nacional, as áreas classificadas ao abrigo de instrumentos de direito internacional e as áreas incluídas na Rede
Natura 2000. Isto tem impactos gravosos na prospeção do lítio em áreas protegidas ou em áreas sensíveis,
porque precisamente estas oito áreas que foram agora sujeitas a avaliação ambiental, zonas em sobreposição
com Sistema Nacional de Áreas Classificadas, abrangem zonas como, por exemplo, as áreas da Arga, de
Guarda-Mangualde e oito áreas indicadas como potenciais para lançamento de procedimento concursal podem
comprometer áreas classificadas ao abrigo de compromissos internacionais assumidos pelo Estado português,
como a Reserva da Biosfera Transfronteiriça Meseta Ibérica (RBTMI), a Reserva da Biosfera Transfronteiriça
Tejo-Tajo Internacional, o Geopark Naturtejo da Meseta Meridional e o Geoparque da Serra da Estrela. De
acordo com a avaliação ambiental, cerca de 28,5% do total da área afeta à prospeção e pesquisa encontra-se
inserida no Sistema Nacional de Áreas Classificadas, ao abrigo do regime jurídico de conservação da natureza
e da biodiversidade.
Sr.as e Srs. Deputados, a solução do presente não pode resultar no problema do amanhã. Estamos, por isso,
muito atentos para ver se o Governo irá excluir, efetivamente, em sede de concurso para a prospeção do lítio,
as áreas protegidas de âmbito nacional, as áreas classificadas ao abrigo de instrumentos de direito internacional
e, como tal, protegidas e as áreas incluídas na Rede Natura, aliás, consoante foi afirmado pelo próprio Governo
no programa que consta para consulta pública, significando, com isso, que não iria explorar estas áreas.
Mais: temos consciência da importância que o lítio pode ter para a transição energética e de que não
podemos ter uma política de not in my backyard. E o PAN estará sempre ao lado da descarbonização. Mas não
podemos permitir que estas soluções sejam desenvolvidas sem ser de forma devidamente participada e
regulamentada. Aliás, temos claros exemplos recentes, como é o caso da refinaria de Matosinhos, em que não
só o anúncio foi feito de forma atabalhoada como não se acautelou que a transição assegurava questões de
justiça social, para não causar descrédito na população quanto à necessidade da transição energética e climática
e para que não se cometessem, de facto, injustiças e não se pusessem em causa os processos que o País tem
de desenvolver para compatibilizar a ação climática e a ambição de outras metas com aquela que tem de ser a
necessária criação de novos postos de trabalho, nomeadamente apostando no empreendedorismo verde.
Para concluir, não podemos, de facto, continuar a assistir a atentados ambientais e sociais, como sucedeu
no caso de Matosinhos, das centrais fotovoltaicas, na Azambuja, na zona do Alentejo, entre tantos outros
exemplos no País, sob pena de não termos uma política verdadeiramente eficaz que permita que a transição
energética garanta que a justiça climática representa também uma justiça social.