16 DE DEZEMBRO DE 2023
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O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vou começar pelo óbvio e
dizer que os democratas devem defender a democracia. E os democratas devem defender a democracia todos os dias e de várias formas, porque a democracia defende-se pela exaltação das suas virtudes, dando o exemplo e trabalhando todos os dias para o seu aperfeiçoamento e para a sua adaptação.
A democracia defende-se pela exaltação das suas virtudes: quer das virtudes absolutas, que existem porque a democracia se baseia no princípio da soberania do indivíduo enquanto sujeito e objeto político; quer das virtudes relativas a outros regimes, autocráticos ou totalitários, todos de cariz iliberal e todos responsáveis por aberrantes e incontáveis violações dos mais básicos direitos que nós, democratas, consideramos inalienáveis.
Defende-se a democracia também pelo exemplo, o exemplo que os democratas devem dar através da sua vivência concreta de valores democráticos como a transparência, a lisura de comportamentos, o respeito pela liberdade de cada um, a abertura às opiniões alheias e a salvaguarda dos direitos das minorias.
E a democracia defende-se, finalmente, pelo trabalho de aperfeiçoamento da própria democracia, pelo esforço de adaptação do processo democrático às novas realidades, que mudam todos os dias.
Pois, a Iniciativa Liberal considera que, na defesa da democracia em Portugal, há exaltação a mais e há exemplo a menos, e os tempos recentes fornecem disso prova abundante.
Quanto ao trabalho, o seu défice é especialmente preocupante, porque o esmorecer do trabalho e dos esforços de aperfeiçoamento da democracia só beneficia os seus inimigos e os seus parasitas; e porque a falta de trabalho também resulta de uma outra falta mais grave, a falta de humildade de reconhecer as deficiências do sistema democrático que defendemos.
Necessitamos de ser humildes para reconhecer que a nossa democracia precisa de se aperfeiçoar e de se adaptar. Ou seja, de ter a humildade de reconhecer que algo não está bem na saúde da nossa democracia.
Para alguns, os mais empíricos, basta que contactem com portugueses de várias condições e de várias regiões e que lhes perguntem o que pensam de Portugal em 2023, para que se apercebam de que o sistema precisa de melhorar.
Para os outros, talvez mais analíticos, tenho boas notícias. Já há muitos estudos sobre a opinião dos portugueses a este respeito, e, sobretudo para os analíticos, mas também para os empíricos, que gostam de confirmar as suas impressões, é uma boa altura para recordar alguns desses estudos.
Estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, de há menos de um ano: só 41 % dos portugueses estão satisfeitos com o estado da democracia; só 36 % confiam no Parlamento; só 17 % confiam nos partidos.
European Social Survey, de há menos de um ano: a confiança dos portugueses nos partidos e nos políticos está em mínimos históricos e a avaliação já não passa de 3 pontos em 10 possíveis.
Estudo de opinião da Aximage, por ocasião do 25 de Abril deste ano: só 40 % dos portugueses dizem ter alguma ou muita confiança na Assembleia da República.
Estudo de opinião do ICS (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa)/ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa), de junho deste ano: confirma que só 38 % confiam na Assembleia da República e só 18 % confiam nos partidos.
Posto isto, aos empíricos e aos analíticos, faço a mesma pergunta: de que evidência precisam mais? Aos empíricos e analíticos, lanço o mesmo desafio: tenham a humildade de reconhecer que algo está mal e
que algo tem de mudar. Algo tem de ser feito para reverter a erosão da confiança das pessoas nos seus eleitos, nos seus partidos e no seu, nosso, Parlamento; e uma das coisas que tem de mudar é o sistema eleitoral, criando um círculo nacional de compensação. É difícil imaginar forma mais rápida e segura de gerar nas pessoas distância e desconfiança em relação à democracia do que dizer-lhes «o teu voto não conta», mas foi isto mesmo que dissemos a mais de 700 000 eleitores nas últimas eleições: «O teu voto, o mais básico e simbólico de todos os direitos democráticos, não conta para nada.»
Pior, a mais algumas centenas de milhares de eleitores, em círculos mais pequenos, ainda se disse algo mais bizarro: «Se queres que o teu voto conte alguma coisa, não votes no que gostas mais, vota no que desgostas menos». Em resultado, há 1 milhão ou mais de eleitores que ou não estão representados nesta Assembleia ou não estão representados pela sua primeira escolha. É quase um quinto dos que votaram. É muita gente e é muito grave.
Sejamos capazes de dar voz e representação a esses votos, a esses portugueses, e reafirmemos a confiança de que o nosso sistema parlamentar saberá encontrar as soluções de governabilidade necessárias.