20 DE DEZEMBRO DE 2023
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O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal, tem a
palavra o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva. O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os vários projetos de resolução hoje
em debate neste Plenário dizem respeito a um conflito mais antigo do que alguns imaginam. Não deixa de ser também sobre vidas — muitas vidas, demasiadas vidas que já acabaram, muitas vidas que
estão suspensas, oprimidas, em sofrimento —, mas esperemos que seja sobretudo sobre as vidas que ainda merecem ter futuro.
É um dos temas mais complexos e sensíveis da geopolítica, senão o mais sensível e com inúmeras variáveis. A atual configuração deste conflito remonta à primeira metade do século XX, tendo-se ampliado depois da
Segunda Guerra Mundial, do Holocausto e do Mandato Britânico da Palestina. É um conflito com origem na Grande Guerra de 1914–1918, que envolveu o Acordo Sykes-Picot, a Declaração Balfour e a revolta árabe liderada por Thomas Edward Lawrence, o famoso Lawrence da Arábia.
Já antes, durante a Terceira República Francesa, no final do século XIX, tinha ocorrido o caso Dreyfus, com a sua mancha de antissemitismo, estimulando também a grande migração judaica no final do século XIX para o Medio Oriente.
E, nos 400 anos anteriores, houve ocupação do mesmo território, ocupação ora otomana ora egípcia. Existiram também as Cruzadas, que, por sua vez, estiveram relacionadas com as invasões islâmicas do século VII.
Poderíamos olhar ainda mais atrás, para a gestão bizantina do território, para a província da Judeia dentro do Império Romano e para os vários impérios de que fez parte antes disso, os persas, babilónios, assírios, até o reino de Israel, no século X a.C.
Se nem os últimos 75 anos podem ou devem ser condensados e simplificados em eventos que aconteceram nos últimos 74 dias, imaginem tentarmos fazer o mesmo a uma história que ultrapassa já largamente os três milénios.
Feita esta contextualização, que entendemos necessária, chegamos, então, ao tema-base do agendamento de hoje: a solução dos dois Estados e o reconhecimento da independência da Palestina.
A solução de dois Estados é a proposta defendida por muitos, incluindo a Iniciativa Liberal, na linha e em consonância com a posição que o Estado português fixou há bastante tempo. É, por isso, um tema relativamente pacífico entre a maioria dos partidos com representação parlamentar.
A solução deve e tem de passar, ou melhor, concluir-se com a existência de dois Estados. Ambos os povos, tanto o judeu como a população árabe palestiniana, têm o legítimo direito a aspirar a um futuro naquela região e a gerir ali os seus próprios destinos.
Pode haver pontos de divergência, sim, nos detalhes dessa solução, mas esses detalhes devem, acima de tudo, ser debatidos entre as partes.
Caso seja estabelecido um acordo entre ambos os lados, deve existir o reconhecimento e a respetiva aprovação do Estado português, independentemente do resultado dessa negociação e das soluções mais queridas aos vários partidos nesta Casa.
Sobre a segunda parte, o reconhecimento da independência da Palestina, podemos julgar que existem muitas divergências entre os partidos, mas aqui, novamente, as divergências estão nos detalhes.
Sendo a Iniciativa Liberal favorável à solução dos dois Estados, também o é no que se refere ao reconhecimento da independência da Palestina. Onde divergimos de alguns partidos e onde convergimos com outros é, essencialmente, no «quando».
Sr.as e Srs. Deputados, ao falar-se na ocupação da Palestina, talvez devêssemos falar nas diversas ocupações da Palestina, todas elas negativas. Sim, porque a Palestina não foi só ocupada por colonatos na Cisjordânia, foi também ocupada pela organização terrorista que é o Hamas, em Gaza.
Esta ocupação não é só territorial. Basta lembrar que todas as forças políticas não subordinadas à agenda do Hamas foram expulsas de Gaza, através da violência e do terrorismo.
Gaza, onde uma grande parte do dinheiro e das doações de mantimentos, remédios e água oferecidos pelo Ocidente ao povo palestiniano tem vindo a ser sistematicamente recolhida e sonegada por operacionais do Hamas e distribuída mediante os seus objetivos.