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II SÉRIE - NÚMERO 23
6 — Do sufrágio apenas não usufruem os que estejam feridos das incapacidades cominadas na lei geral (artigo 48.°, n.° 2) e, quanto às eleições dos titulares de órgãos de Soberania, das regiões autónomas e do poder local que devam iniciar funções durante o período da ã Legislatura — até 14 de Outubro de 1980 (artigo 299.°, n.° 1, já mencionado)—, os que estejam arbangidos pelas incapacidades cívicas criadas pelo Decreto-Lei n.° 621-B/75 e ressalvadas pela Constituição (artigo 308.").
A exigência de «lei geral» significa mais do que a proibição de lei individual, visto que esta se depreende logo do princípio segundo o qual as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto (artigo 18.°, n.° 3, primeira parte). Significa, sim, que não pode haver incapacidades eleitorais que atinjam a universalidade e a igualdade, definidas como inerentes ao sufrágio (artigo 48.°, n.° 2), pois, se assim acontecesse, seria diminuído o próprio conteúdo essencial do direito (artigo 18.°, n.° 3, segunda parte).
Conquista histórica de massas crescentes de pessoas e classes ao longo dos séculos XIX e xx, é nos parâmetros do Estado de direito democrático que as iacapacMaáes da lei geral podem ser avaliadas. Somente critérios materiais que nesses parâmetros se compreendam podem justificar a não concessão do status activae civitatis, sem arbítrios e sem discriminações de categorias de pessoas por motivos políticos ou outros.
Segundo o decreto, não têm direito de sufrágio os interditos por sentença com trânsito em julgado e os notoriamente reconhecidos como dementes, ainda que não interditos por sentença, quando internados em estabelecimentos psiquiátricos ou como tais declarados por uma junta de dois médicos [artigo 28.°, n.° 2, alíneas a) e b)]. A razão de ser desta solução é óbvia.
Também não gozam de capacidade eleitoral activa os definitivamente condenados a pena de prisão por crime doloso, enquanto não hajam expiado a respectiva pena [artigo 2.°, n.° 1, alínea c), primeira parte], e os que se encontrem judicialmente privados dos seus direitos políticos [artigo 2.°, n.° 1, alínea c), segunda parte]. Estas disposições devem ser integradas com c Código Penal, que entre as penas maiores inclui a pena fixa de suspensão dos direitos políticos por quinze ou vinte anos (artigos 55.°, n.° 6, e 60.°) e entre as penas correccionais a de suspensão por tempo não menor de três anos e não excedente a dez (artigos 56.°, n.° 3, e 61.°), susceptível de redução a dois anos (artigo 92.°, § único), que designadamente as prevê como penas acessórias nos crimes contra a segurança exterior e a segurança interior do Estado (artigos 15L", n.° 2, e 175.°).
Modernamente aponta-se a tendência para nenhuma pena implicar automaticamente a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos (1). Por outro lado, conhece-se a variedade de crimes dolosos, punidos com prisão, ao mesmo tempo que se sabe haver outros, não sujeitos a penas privativas da liberdade, mais graves quanto ao que possam revelar
da personalidade cívica do delinquente (2). Por isso, pode considerar-se duvidosa a constitucionalidade de suspensão de direitos políticos como efeito da pena(3), derivada directamente da lei sem declaração na sentença condenatória (artigo 83." do Código Penal) (4).
Quanto à suspensão de direitos políticos como rjena criminal necessariamente aplicada pelos tribunais (artigos 29.° e 206.°) (3), que acarreta a privação judicial desses direitos, ela há-de configurar-se tanto mais severa quanto mais sentido for, na vivência democrática no País, o valor da participação activa nas decisões da colectividade nacional como valor ou bem a par de outros (e).
Apesar de presumivelmente vocacionada para vigorar para além da caducidade do artigo 308," da Constituição, não deixa a lei ora aprovada pela Assembleia da República de aludir às incapacidades cívicas quer a propósito das incapacidades activas (artigo 2.°, n.° 2), quer a propósito das incapacidades passivas (artigo 5.°, n.° 2). Fá-lo, sem embargo, em termos que não permitem contestar a. sua duração temporalmente limitada.
7 — A capacidade eleitoral passiva depende da capacidade eleitoral activa —só é elegível quem é eleitor—, embora não baste a capacidade activa para se possuir a passiva — pois outros requisitos, ligados à natureza dos cargos, podem ser exigidos ou certos obstáculos ou circunstâncias negativas poderão implicar um maior ou menor afastamento entre a capacidade activa e a passiva, contanto que fique salvaguardado o conteúdo essencial do direito de acesso de todos os cidadãos às funções públicas em condições de igualdade e de liberdade (artigo 48.°, n.° 4).
No tocante à Assembleia da República, dispõe o artigo 153.° da Constituição que são elegíveis os cidadãos portugueses eleitores. Quer dizer: são requisitos de capacidade passiva a capacidade activa e a cidadania portuguesa (o que decorre, outrossim, do artigo 15.°, n.° 3). Prevalece o princípio da coincidência e não existem diferenciações em -razão da idade
0) Assim, o artigo 76.° do anteprojecto da parte geral do Código Penal da autoria de Eduardo Correia, não obstante o disposto no artigo 82." (v. Boletim do Ministério da Justiça, n.' 127, Junho de 1963).
0) O artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 93-A/76, talvez não por acaso, só cominava a incapacidade eleitoral em virtude da conde ação a prisão por crime doloso infamante.
C) Assim, J. J. Gomes Canotilho e Vilal Moreira, op. cit., p. 133.
(') V. a observação feita pelo Deputado Nandim de Carvalho, in Diário da Assembleia da República, n.° 100, p. 3716.
(') O anteprojecto da parte geral do Código Penal não prevê esta pena entre as penas principais (artigo 47.°).
(") Este regime, extremamente restritivo das incapacidades eleitorais, vem do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 621-A/75. Pelo contrário, na eleição dos Deputados à Assembleia Nacional, no sistema político derrubado em 25 de Abril de 1974, rfio eram eleitores os que não estivessem no gozo dos seus direitos civis e políticos; os interditos por sentença com trânsito em julgado e os notoriamente reconhecidos como dementes, embora não estivesem interditos por sentença; os falidos ou insolventes, enquanto não fossem reabilitados; os pronunciados definitivamente e os que tivessem sido condenados criminalmente por sentença com trânsito em julgado, enquanto não houvesse sido expiada a respectiva pena e ainda que gozassem de liberdade condicional; o» indigentes e, especialmente, os que estivessem internados cm asilos de beneficência; os que tivessem adquirido a nacionalidade portuguesa, por naturalização ou casamento, há menos de cinco anos; os que professassem ideias contrárias à existência de Portugal como Estado independente e à disciplina social, e os que notoriamente carecessem de idoneidade moral (artigo 2.° da Lei r..° 2015, de 28 de Maio de 194Í).