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II SÉRIE — NÚMERO 47

l) Cerca das 17 horas e 30 minutos, também do mesmo dia, procedeu-se à transferência dos reclusos Miguel Carrilho da Silva e José Gomes Pires Coelho para a Colónia Penal de Pinheiro da Cruz.

Estes reclusos foram transferidos numa carrinha do estabelecimento prisional de Lisboa, de que era chefe de viatura o subchefe Carlos Matias e condutor o guarda motorista José António Ferreira Gomes.

Apesar de o guarda motorista ter conhecimento de que aqueles reclusos haviam sido revistados no interior da Cadeia, e sendo o responsável naquele momento pela viatura, aceitou abrir por duas vezes as portas da carrinha, para que os reclusos acima referidos fossem introduzidos nos gabinetes laterais da portaria, onde foram espancados.

Nesses gabinetes laterais da portaria o recluso Miguel Jorge Carrilho da Silva foi agredido a murro e a pontapé, a cassetete e com uma perna de uma cadeira pelos guardas Joaquim Jorge Seguro, Joaquim da Silva Rodrigues Cação, Domingos Costa Magalhães, Manuel Saul de Oliveira Tavares e Ismael Fernandes Santana Ferreira, causando-lhe, em consequência necessária, lesões que terão demandado para a cura um período de oito dias.

De igual modo, e também nos gabinetes laterais da portaria, o recluso José Gomes Pires Coelho foi agredido pelos guardas Joaquim Rodrigues Cação e Joaquim Jorge Seguro, causando-lhe lesões que terão demandado para a cura um número indeterminado de dias, mas não superior a dez dias.

m) No dia 23 de Junho, a hora indeterminada, a comissão de reclusos, representada pelo recluso José Alberto de Andrade Neves, pretendeu dar conhecimento e solicitar a tomada de medidas, face ao conjunto de violências exercidas sobre os reclusos, atra^ vés de telegramas a enviar à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e Ministro da Justiça.

Porém, e sem qualquer justificação, o chefe dos guardas Firmino de Castro opôs-se ao envio dos telegramas, atirando-os para o chão, donde foram retirados pelo citado recluso.

2 — Os factos atrás relatados, que resultam da prova obtida no presente inquérito, parecem ter constituído a causa própria do desencadeamento da greve de fome, que só viria a terminar após a satisfação da reivindicação dos presos quanto à nomeação da Comissão de Inquérito Tripartida e no momento em que esta iniciou os seus trabalhos.

Porém, não passou despercebida à Comissão a existência de outras circunstâncias que directamente terão contribuído para a criação do ambiente propício ao desencadear de conflitos entre os reclusos e os guardas prisionais.

Assim:

a) O estabelecimento entrou em funcionamento sem a exigível criação de quadros próprios de funcionários administrativos, verdadeiramente profissionalizados, tendo os efectivos existentes sido recrutados ad hoc pelos Serviços Prisionais Militares, e depois, subsequentemente, aproveitados, após integração no Quadro Geral de Adidos, pela Direcção--Geral dos Serviços Prisionais, com a finalidade de não serem criados ao mesmo pessoal problemas sociais;

b) Igual circunstancialismo se verificou em relação a grande parte dos guardas prisionais em serviço no

estabelecimento, a quem não foi ministrada qualquer preparação para o exercicio das funções;

c) A inexistência de um verdadeiro comando de corporação dos guardas e de uma eficaz direcção da Cadeia, ao ponto de o director Palma Vaz ter chegado àquele estabelecimento no próprio dia da tentativa de fuga, numa altura em que o anterior director, Dr. Sílvio Crespo, se havia afastado há já alguns dias;

d) Verifica-se, de igual modo, que o estabelecimento entrou em funcionamento sem que o parque oficinal estivesse nas mínimas condições de poder ocupar os reclusos;

é) A distribuição dos reclusos para este estabelecimento é feita sem o desejável critério selectivo, encontrando-se em total comunicação uns com os outros delinquentes primários, delinquentes habituais e por tendência, e ainda, o que é mais grave, reclusos cujo crime revela perversidade e baixeza de carácter, o que se torna um enorme factor de má influência junto dos delinquentes acidentais, o que, numa palavra e no dizer de um recluso, transformou o estabelecimento numa autêntica «escola de crime»;

f) Os reclusos permanecem o dia inteiro em total ociosidade, não havendo a mínima preocupação de ocupar o recluso pelo trabalho como forma de lhes tornar menos penosa a expiação de pena, e sobretudo como forma progressiva de realizar o fim último de qualquer sistema penitenciário, que è o de procurar a readaptação social do delinquente.

Aliás, pelo que se tem conhecimento, o mal referido não pode ser localizado apenas neste estabelecimento, pois é, de uma ou de outra, uma enorme deficiência do sistema penitenciário portaguês, e urge, desde já, sob pena de se postergar a finalidade máxima de solidariedade para com o recluso, lançar mão das planificações que visem minimamente recuperar socialmente o delinquente. De contrário a criminalidade recrudescerá e a vida nas cadeias tornar--se-à insustentável, surgindo, a cada passo, tumultos de grandes proporções;

g) A inexistência de qualquer regulamento interno da Cadeia e a ausência de disciplina impedem que os reclusos conheçam as suas obrigações e o ponto limite da sua actuação e acabam também por desmotivar gradualmente os guardas por estes desconhecerem os parâmetros da sua acção repressiva e fiscalizadora;

h) A acção nociva causada pela chamada «dinamização cultural» levada a cabo por uma equipa chefiada por um tal Ribeiro Teles, contratado para o efeito pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais. Tal acção fomentou junto dos reclusos a ideia de que os guardas prisionais eram, em quaisquer circunstâncias, os destinatários de toda a sua agressividade, contribuindo, de igual modo, para que os reclusos imputassem a toda a magistratura em geral e a todas as instituições policiais a causa da sua situação de marginalidade;

i) A penetração no interior do estabelecimento de movimentos reivindicativos de cariz político conducentes à anarquização do ambiente vivido dentro dos estabelecimentos prisionais.

3 — No desenrolar do processo e designadamente das declarações prestadas pelos reclusos Carrilho da Silva, Pires Coelho e Juan Moran, vieram ao conhecimento da Comissão alguns indícios de possível cor-