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II SÉRIE—NÚMERO 50

ARTIGO 11." (Execução)

1 — Mantêm-se em vigor todas as normas legais e regulamentares conformes ao disposto na presente lei.

2 — O Governo aprovará no prazo de noventa dias, mediante decreto-lei as normas necessárias à execução das disposições da presente lei que careçam de regulamentação.

Assembleia da República, 4 de Fevereiro de 1982. — Os Deputados do PCP: Carlos Brito — Domingos Abrantes — Zita Seabra — Alda Nogueira — Ilda Figueiredo — Veiga de Oliveira — Vidigal Amaro — Ercília Talhadas—Jorge Icemos — Lino Lima — Joaquim Miranda — Josefina Andrade — Vital Moreira — Manuel Lopes — Mariana Lanita — Carlos Espadinha — Maria Odete dos Santos — Octávio Teixeira — Jorge Patrício — Custódio Gingão — Álvaro Brasileiro — Jerónimo de Sousa — Sousa Marques — Silva Graça — Francisco Miguel — Manuel Almeida — José Manuel Mendes — José Vitoriano.

PROJECTO DE LEI N.° 309/11

INTERRUPÇÃO VOLUNTARIA DA GRAVIDEZ

O Grupo Parlamentar do PCP apresenta na Assembleia da República um projecto de lei relativo à interrupção voluntária da gravidez, conjuntamente com duas outras iniciativas legislativas tendentes à defesa da maternidade, à educação sexual e ao planeamento familiar. Os princípios e soluções que agora se submetem a debate público representam o contributo do PCP para uma nova política em relação à infância e à maternidade e pretendem dar resposta à necessidade de desenvolver a educação sexual e o planeamento familiar. Mas visam igualmente responder aos anseios da mulher portuguesa no sentido de uma plena consagração dos seus direitos.

1 — Modificar uni quadro legal injusto, aberrante e fêjtócrfta

A proibição legal do aborto decorre do artigo 358.° do Código Penal, aprovado por Decreto de 16 de Setembro de 1886. Tal disposição pune com pena de prisão maior de 2 a 8 anos «aquele que, de propósito, fizer abortar uma mulher pejada, empregando para este fim violências ou bebidas, ou medicamentos, ou qualquer outro meio», com ou sem consentimento do mulher. A mesma pena é aplicável à mulher que «consentir e fizer uso dos meios subministrados, ou que voluntariamente procurar o aborto a si mesma, seguindo-se efectivamente o mesmo aborto», salvo se «cometer o crime para ocultar a sua desonra», caso em que a pena será de prisão. O médico ou o auxiliar de medicina que «abusando da sua profissão tiver voluntariamente concorrido para a execução do crime, indicando ou subministrando os meios, incorrerá respectivamente nas mesmas penas, agravadas segundo as regras gerais».

Este quadro legal mantém-se praticamente sem alteração desde a aprovação do Código Penal de 1852, que neste ponto viria a ser reproduzido em 1886 pelo Código ainda vigente, com ligeira alteração da pena.

Velha de mais de 1 século, a lei incrimina independentemente das circunstâncias, das fases e dos fins. Excluído fica o próprio aborto terapêutico: as disposições em vigor não admitem sequer a interrupção da gravidez que tenha por objectivo salvar a vida da mulher.

Ostentando as marcas de uma ordem e de um tempo que os novos tempos tornaram já caducos, a norma legal reveste-se hoje de uma inegável hipocrisia, uma vez que só muito excepcionalmente é aplicada: o aborto pratica--se impunemente, de forma clandestina, aos milhares por dia e em todo o País. Sabe-se onde é feito, quem o faz e como. Milhares de mulheres entram nos mais variados serviços públicos e privados em consequência de acidentes decorrentes de abortos clandestinos. Quantas vezes morrem mesmo. E, no entanto, os casos levados a juízo são 1 ou 2 por ano. Em 1979, houve 2 condenações em tribunal pela prática de aborto clandestino ...

A consequência fundamental da lei não é, pois, a aplicação das penas que prevê para quem pratique o que ela veda. Reside, sim, no facto de a mera subsistência desta norma retrógrada remeter para a clandestinidade — à margem das regras adequadas de saúde, segurança e humanização — quem ao aborto seja obrigado a recorrer, originando demasiadas vezes uma situação de perigo de vida e quase sempre um cortejo trágico de sequelas para a saúde física e psíquica da mulher.

E nem se pode dizer que a todos toque por iguaí o peso da injustiça. São as mulheres de menores posses económicas, mulheres camponesas, operárias, empregadas que interrompem a gravidez em piores condições de saúde e segurança, que correm maiores perigos físicos, psíquicos e riscos de penalização. Quem dispõe de meios económicos pode recorrer a serviços com boas condições sanitárias, autênticas clínicas, sem riscos reais de repressão, ou deslocar-se, até, a outros países, onde a interrupção voluntária da gravidez é legal.

2— Aborto clandestino: um flagelo social

Não existem dados reais que permitam avaliar com o rigor necessário quantos abortos clandestinos são praticados anualmente em Portugal. Números que vão de 100 000 a 300 000 são vulgarmente apontados. A dimensão real não é conhecida.

Importa, porém, ter em conta que apesar da carga repressiva e da punição social inerente ao aborto, apesar do medo e dos maus tratos, o último recurso que é o aborto tem ainda um recurso último que é o hospital. Se analisarmos um dado concreto que é a entrada, nos hospitais centrais de Lisboa, Porto e Coimbra, de casos provenientes de acidentes pós-aborto, verificaremos que a cada um deles chega um caso em cada meia hora, o que é expressivo, embora revele apenas uma das dimensões do problema. O número referido não abrange todos aqueles que recorrem a serviços privados de saúde, a hospitais distritais e outros serviços públicos (centros de saúde, serviços médico-sociais, etc). Não se ignora, por outro lado, que só recorre a serviços públicos de saúde um número reduzidíssimo de pessoas: a imensa maioria dos abortos clandestinos processa-se sem nenhum recurso ao hospital ...

Sendo impossível dispor de estatísticas que permitam conhecer com rigor a extensão do problema, não é, porém, difícil pressentir a sua gravidade.

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