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24 DE NOVEMBRO DE 1982

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Ora, a finalidade do inquérito da Procuradoria-Geral da República, cuja realização foi reclamada pelas mais diversas forças políticas e sociais, era precisamente dar conhecimento aos País e a todos os órgãos de soberanía, no mais curto prazo, dos factos ocorridos e das responsabilidades pelas agressões, assassínios e outras violencias cometidas durante a noite sangrenta. Nem de outra forma se justificaría cometer à PGR a tarefa de investigar e relatar, de forma isenta, independente e objectiva, tudo o que pudesse contribuir para o esclarecimento da verdade.

Bem entendido, a divulgação de tal relatório deveria efectuar-se sem prejuízo da acção simultánea e autónoma da Polícia Judiciária e dos tribunais, em matéria criminal, e das entidades policiais competentes, em matéria disciplinar. Mas o facto de estar em curso tal inquérito foi inclusivamente invocado pelos partidos governamentais para rejeitar a realização de um inquérito parlamentar sobre os acontecimentos do Porto, o que torna ainda mais grave a sua injustificada retenção, uma vez cumprida pela Procuradoria-Geral d8 República a tarefa de que fora incumbida.

Instado a pôr termo à omissão inconstitucional em que veio incorrendo, o Governo não só se recusou a fazê-lo, como manteve sobre a matéria, a partir de determinado momento, um silêncio que só a sessão de perguntas hoje realizada na Assembleia da República veio interromper.

As explicações hoje aduzidas pelo Ministro da Administração Interna só suscitam, porém, novas interrogações sobre o comportamento governamental. Importa esclarece-las. A Assembleia da República não pode aceitar passivamente que membros do Governo produzam perante o Plenário afirmações desprovidas de veracidade, quando não mesmo deliberadamente tergi-versadoras das conclusões constantes de documentos cujo conhecimento é, do mesmo passo, recusado por quem tem o dever de os divulgar.

2 — Não é a primeira vez que tal sucede. Em nota oficiosa de 23 de Agosto, o Ministro da Administração Interna já teve ocasião de confessar que a versão que dos acontecimentos do Porto foi dada, em nome do Governo, logo após as ocorrências da noite de 30 de Abril para 1 de Maio não se adequa ao apurado pela Procuradoria-Geral da República, assentando em «informações deficientes». Mas, no próprio momento em que reconheceu este facto, o MAI não hesitou emc adulterar por completo o conteúdo e inverter o sentido de conclusões do inquérito realizado pela PGR ...

Confrontado com desmentidos públicos desta Contrafacção, o Governo refugiou-se indevidamente sob a invocação de um pretenso «segredo de justiça» (do qual tem uma noção que prima pela ilegalidade).

Entretanto, órgãos de comunicação social revelaram que o relatório da PGR concluiu ter a acção das forças policiais violado a lei criminal e as normas disciplinares aplicáveis, imputando mesmo 2 crimes de homicídio voluntário a graduados do Corpo de Intervenção. O Governo não desmentiu tais revelações, apesar da sua gravidade, o que representa, sem dúvida, uma forma de encobrimento político de crimes e criminosos que o País tem o direito de conhecer, sem prejuízo do normal funcionamento dos mecanismos judicais e de polícia judiciária.

3 — Do ponto de vista jurídico, a posição governamental é igualmente insustentável. O Governo sabia e sabe que tão completa ocultação do documento da

PGR não só carece por completo de fundamento legal, como viola as disposições constitucionais que asseguram o direito dos cidadãos à informação objectiva sobre os actos do Poder. Sabia e sabe que a Procuradoria-Geral da República tem de há muito uma opinião clara sobre esta problemática, expressa através do parecer n.° 121/80, devidamente homologado...

Contudo, em vez de cumprir disposições legais sobre as quais não pendia dúvida relevante, o MAI encetou, a partir de 20 de Julho de 1982, um dilatório ciclo de pedidos de parecer sobre o grau de divulgação a dar ao texto integral do relatório da PGR. Começou por solicitar à Auditoria do seu Ministério que se pronunciasse sobre a matéria. Esta emitiu parecer em que aconselhava a divulgação com omissão apenas dos nomes dos ofendidos e dos arguidos e dos aspectos cuja publicação prejudicasse a investigação criminal em curso. De posse deste parecer, o MAI solicitou então à PGR (cuja doutrina de antemão conhecia ...) que sobre a questão se pronunciasse expressamente.

Findo o ciclo, não obteve o Ministro qualquer parecer favorável ao comportamento governamental. Necessário, todavia, se toma concluir que eram de dilação os objectivos prosseguidos pelo MAI e que, ao fazê-lo, incorreu em responsabilidade política, que a Assembleia da República deve contribuir para efectivar.

4 — Se é grave a não divulgação do relatório do l.° de Maio à opinião pública, constitui infracção qualificada a sua não transmissão à Assembleia da República. Tal facto representa obstrução inconstitucional ao exercício do poder de fiscalização que a Assembleia da República deve livremente exercer. E no caso concreto é legítimo suspeitar que o Governo pretende evitar que a Assembleia da República tire as devidas ilações de uma das conclusões fundamentais constantes do relatório da PGR, segundo extractos vindos a público. Na verdade, a entidade que pela sua independência e isenção foi chamada a conduzir o inquérito conclui pela perigosidade para a democracia e para a segurança dos cidadãos da existência de um corpo de intervenção com a actual composição, forma de recrutamento, preparação e intervenção...

Tendo o Sr. Ministro da Administração Interna ousado, quanto a toda esta questão, renovar perante o Plenário da Assembleia da República, na reunião plenária de 19 de Novembro, afirmações que tudo indica não respeitarem o teor do relatório da PGR e sendo a produção de tais afirmações lesivas da dignidade da Assembleia:

Os deputados abaixo assinados, ao abrigo do disposto na Constituição e nos artigos 218.° e seguintes do Regimento da Assembleia da República, vêm requerer a realização de um inquérito parlamentar sobre as causas que deram origem à não divulgação à Assembleia da República e à opinião pública do teor integral do relatório do 1." de Maio elaborado pela Procuradoria-Geral da República.

Mais se requer para a iniciativa prioridade e urgência.

Assembleia da República, 19 de Novembro de 1982. — Os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP: Carlos Brito — Veiga de Oliveira — Jerónimo de Sousa — Vidigal Amaro — Joaquim Miranda — Custódio Gingão — Lino Lima — José Rodrigues Vitoriano — Ercília Talhadas — Maria Odete dos Santos — Francisco Miguel — Gaspar Martins.