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4 DE JANEIRO DE 1984

1892-(13)

buição ou o volume das edições, agravando os custos de umas publicações relativamente a outras.

10 — Mas não parece que tal aconteça: os direitos garantidos pelos n.os 1 do artigo 37.° e 2 e 3 do artigo 38.° pressupõem o livre acesso aos mercados de trabalho e de matérias-primas, não podendo o Estado adoptar medidas negativas — aumento do preço do papel, aumento dos impostos, elevação das taxas de juro nas operações de crédito— que dificultem tal acesso.

11—E o mesmo se dirá, mutatis mutandis, dos benefícios de natureza postal, o chamado «porte pago»: também aqui se não trata de agravar as condições de circulação e distribuição de algumas publicações (agravando-Ihes as taxas postais, por exemplo), mas sim de auxiliar a circulação e distribuião de outras, dimfnuindo-lhes tais taxas ou mesmo isentado-as delas.

12 — E se, por um lado, não considerarmos que os despachos em causa infringem o n.° 2 do artigo 37.° da Constituição, também temos as maiores dúvidas de que os regimes em causa ofendam o n.° 5 do artigo 38.° Se recuarmos ao tempo dos trabalhos da Assembleia Constituinte e relermos a discussão havida à volta da expressão «regime administrativo ou fiscal», em particular a intervenção do deputado Marcelo Rebelo de Sousa, nada encontraremos que permita concluir ter sido intenção dos constituintes obstar a sistemas como o do subsídio de papel ou do porte pago. Sem dúvida que foi intenção dos deputados impedir, por exemplo:

O agravamento dos impostos ou as isenções fiscais apenas para algumas empresas jornalísticas;

A bonificação dos juros para os créditos concedidos apenas a algumas empresas jornalísticas;

A concessão de créditos para aquisição de papel ou maquinaria no estrangeiro em condições diversas para as diversas empresas;

O estabelecimento de regimes de condicionamento de laboração diversos para os parques tipográficos das várias empresas jornalísticas — regulamento anexo ao Decreto n.° 46 924, de 28 de Março de 1966, artigo 11.° e tabela anexa, classe 28, esta alterada pela Portaria n.° 24 233, de 4 de Agosto de 1969— quando tal diversidade não resulta exclusivamente das diferenças de dimensão ou complexidade daqueles parques.

13 — Não me parece que o subsídio ao papel ou o porte pago constituam um regime administrativo, em termos de se poder considerar ofendido o n.° 5 do artigo 38.° Quando um cidadão, ou grupo de cidadãos, pretende exercer os direitos reconhecidos pelo n.° 3 do artigo 38.°, por exemplo, o mais que pode exigir do Estado é que este não dificulte o empreendimento com exigências ou limitações que não resultem directamente do funcionamento dos mercados ou das próprias leis. Não pode exigir o auxílio do Estado, não tem um direito subjectivo a ser bene-

ficiado. Terá, sim, o direito de ser beneficiado em igualdade de circunstâncias com os outros cidadãos que exerçam os mesmos direitos, ou seja, não ser discriminado (artigo 13.°). Mas não discriminar é «tratar por igual aquilo que é essencialmente igual» (v. nota ni ao artigo 13.°, Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra, 1978, p. 68). E é manifesto que editar o Diário de Notícias não é essencialmente igual a editar a Crónica Feminina e editar o Diário de Coimbra não é o mesmo que publicar o jornal O Sporting.

14 — Aliás, uma brevíssima e limitadíssima incursão no direito comparado mostra-nos que em França, por exemplo, o «carácter de interesse geral quanto à difusão do pensamento» vai condicionar os auxílios fiscal e postal (v. Libertes publiques, de Claude-AIbert Colliard, Dalloz, Paris, 1975, pp. 497 a 499). É verdade que não encontramos na Constituição da V República de 1958 normas análogas às dos nossos artigos 37.°, n.° 2, e 38.°, n.° 5, mas, ainda assim, não deixa de ter interesse a referência.

15 — Em conclusão:

a) Sem embargo de alguns aspectos dos des-

pachos em causa poderem consubstanciar violação do artigo 13.° da Constituição e, por isso, serem materialmente inconstitucionais, não consideramos que infrinjam globalmente os artigos 37." e 38.° da lei fundamental;

b) Os sete despachos em causa infringem o

disposto nos artigos 167.°, alínea c), e 38.°, n.° 7, da Constituição, estando viciados de inconstitucionalidade orgânica;

c) É quanto basta para propormos ao Sr. Pro-

vedor de Justiça que exerça a competência que lhe reconhece o artigo 281.° da Constituição, solicitando ao Conselho da Revolução que aprecie e declare a inconstitucionalidade das normas dos despachos juntos ao processo que ofendam a competência reservada da Assembleia da República.

3 — O Provedor concordou com esta argumentação.

Contudo, tendo em vista não criar graves dificuldades económicas à imprensa —e considerando estar-se perante inconstitucionalidade orgânica, e não material —, preferiu começar por expor ao Primeiro-Mi-nistro em Fevereiro de 1982 essa sua posição, sugerindo que os subsídios e demais benefícios em causa passassem a ser regulados por lei ou decreto-lei (mediante autorização legislativa).

4 — O Gabinete do Primeiro-Ministro respondeu que esta sugestão seria «tomada em consideração».

5 — Todavia, em 5 de Maio de 1982 foram publicados os Despachos Normativos n.os 69/82 e 70/82, regulando para esse ano a atribuição de subsídios ao papel e porte pago à imprensa.

O Provedor entendeu, por isso, manifestar a sua estranheza ao Primeiro-Ministro por, afinal, não ter sido tomada em consideração a sugestão que fizera, solicitando-lhe ainda que esclarecesse a sua posição sobre o assunto.