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II SÉRIE — NÚMERO 166

O Dr. BTás Cardoso registou na ficha do doente o seguinte: «No bloco operatório constatou-se, ao fazer a fasciotomia, que se tratava de uma gangrena gasosa. Chamou-se o Dr. Armindo (reanimação), o Dr. Albuquerque (cirurgia vascular) e o Dr. Adrião Proença (ortopedia) e decidiu-se por uma desarticulação pela anca, por já estar completamente invadida a coxa com livores. Fez-se fotografia. Doente com estado toxémico.»

O Dr. Albuquerque (cirurgia vascular) registou: «Contactados pelo Dr. Brás Cardoso do bloco e posto ao corrente da saída abundante de gás pelas incisões da fasciotomia, apoiámos ser de fazer desarticulação aberta da coxa (dado já haver noção de crepitação a nível ilíaco).»

4 — O doente foi internado na enfermaria de Traumatologia II, cerca das 24 horas, na cama 22, de onde se teve de desalojar outro doente em melhor estado para colchão suplementar, dada a enfermaria estar superlotada.

Aqui verificou-se uma cena reprovável por parte de um irmão do doente, Sr. Adail Manuel Morais Serra, de 24 anos, e de um companheiro chamado Valter, que perturbaram o sossego e a ordem da enfermaria, gritando que os «médicos são uns assassinos» e os enfermeiros «uns carrascos». O enfermciro--chefe procurou, com os melhores modos, tentar fazer--lhes compreender a situação, esclarecendo a anormal situação clínica, mas pouco ou nada conseguiu, pois acabou por ser ameaçado de agressão. Deste facto fez o enfermeiro participação ao director do serviço, que. solidarizando-se com o enfermeiro-chefe, enviou a participação ao director dos Hospitais, sugerindo, «se assim o entender, que se proceda judicialmente contra o Sr. Adail Serra e o dito Sr. Valter».

5 — Na enfermaria foi feito o estudo clínico complementar e o tratamento indicado e solicitada (no dia 15) a colaboração do médico ftsiatra, a fim de ser prescrita a recuperação e a prótese necessária.

Porque as condições do serviço não permitiam uma conveniente vigilância, nomeadamente no campo car-diorrespiratório, funções agora também alteradas, foi o doente transferido para o serviço de cuidados intensivos (Serviço de Reanimação), onde esteve de 16 a 19 de Março, voltando para a enfermaria com indicação de prognóstico favorável.

Em 29 de Março voltou à sala de operações, onde os Drs. Aloísio Leão, Arriaga e Capelão fizeram a limpeza cirúrgica com recessão dos tecidos mortos e a cartilagem do acetábulo e do ligamento redondo.

A evolução arrastada levou a pedir a colaboração à medicina interna, nefrologia, angiologia (angiografia ilíaca), cirurgia plástica, imuno-hemoterapiav tendo voltado à sala de operações em 51 de Maio de 1984, para receber um enxerto livre da pele colhida na coxa esquerda, intervenção realizada pelo Dr. Aloísio Leão e Dr. Capelão, por não ter sido teoricamente aconselhado o transplante vascularizado do músculo grande dorsal com pele como fora em princípio previsto e para o qual o doente declarou, por escrito, «que, após ter tomado conhecimento dos riscos operatórios, me responsabilizo pelas consequências da intervenção cirúrgica».

Posteriormente a evolução tem sido favorável, sendo o estado geral e psíquico bom.

6 — O relato atrás referido esclarecerá possivelmente a maioria das dúvidas levantadas pelos senhores deputados.

Aceita-se que surja a dúvida: se a infecção tem sido despistada mais cedo ou se a janela no gesso tem sido aberta, ter-se-ia evitado a amputação?

Como é revelado no relato, o doente ficou no corredor da sala de observações por não haver «espaço» dentro dela. Não foi logo transferido para a enfermaria por não haver vaga nesta. E, como se viu, quando depois da operação foi para a enfermaria, por volta da meia-noite, houve necessidade de deslocar um doente que estava melhor para um «colchão suplementar» para deitar este doente na cama que lhe pertencia.

É evidente que por melhor boa vontade que haja, as coisas não podem correr como todos desejaríamos.

Têm saído numerosas ordens de direcção com o fim de procurar corrigir deficiências que têm existido; contudo, nenhuma consegue resolver eficazmente a situação, porque o fundo da questão é sempre o mesmo e não se resolve com ordens de direcção: doentes a mais e camas a menos.

Quem conhece as instalações do banco e sala de observações, o seu movimento e as condições em que ali se trabalha, nomeadamente em determinadas horas de ponta, facilmente compreenderá que não é possível tirar muitos melhores resultados assistenciais do que aqueles que se verificam.

Isto quer dizer que se o doente tivesse ficado numa enfermaria com os doentes próprios da sua lotação teria sido possível despistar mais cedo a complicação? Terá havido negligência?

Vejamos o parecer do director do Serviço de Ortopedia e antigo director do Serviço de Urgência:

1 — Incidência.

Desde há cerca de 11 anos, verificaram-se nestes HUC 4 casos de gangrena gasosa:

a) Doente transferido de Viseu (amputado), sendo internado em TRT3;

6) Mulher com fractura não exposta do perónio, internada, 4.a CM (gás até à raiz da coxa, salvou-se o membro), estava internada;

c) TRT2 — Fractura exposta dos membros infe-

riores, tendo havido deslocamento dos tecidos abdominais (falecido);

d) Na SO no presente ano, doente 'com fractura

dos ossos da perna e ferida, e que foi considerada como exposta, apenas para traduzir que este doente era passível de maiores cuidados, embora na realidade não sc tratasse de uma verdadeira fractura exposta por não haver comunicação entre o ferimento e o foco de fractura.

A incidência destas situações de gangrena gasosa é, pois, tão diminuta que não justifica prevenção terapêutica com soro antigangrenoso, cujos riscos de choque anafilático não seriam de menosprezar, nem terapêutica com penicilina em altas doses, aliás das poucas drogas eficazes, porque esta substância seria ineficaz para outros germes.

Por outro lado, como é do conhecimento geral, o uso da penicilina tem os seus riscos e as suas vítimas.

Cerca de 30 % dos traumatizados, e cora este número podemos pecar por defeito e não por excesso.