7 DE NOVEMBRO DE 1984
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3 — Antes da entrada em vigor da Constituição foi publicado o Decreto-Lei n.° 59/76, em 23 de laneiro, cujo artigo 2° consignava, no seu n." 1, que a regulamentação das condições legais de prestação de trabalho na função pública seria feita por decreto simples do Ministro da Administração Interna (que então superintendia nos assuntos da função pública) e, no seu n.° 4, que tais diplomas teriam de ser obrigatoriamente fundamentados e precedidos de consulta às organizações representativas dos trabalhadores deles destinatários. O referido diploma procurou simplificar os mecanismos de funcionamento da máquina administrativa e assegurar uma via participada e eficiente na fixação das condições de prestação de trabalho, ainda que a título transitório (6), como resulta do respectivo preâmbulo. A audição das organizações representativas dos trabalhadores seria regulamentada pelo despacho do Secretário de Estado da Administração Pública publicado no Diário do Governo, 2." série, n.° 43, de 20 de Fevereiro de 1976 (7).
4 — Aprovada a Constituição da República de 1976, veio a ser consagrado à Administração Pública o título ix da parte mi da Lei Fundamental, no qual encontramos normas e princípios que regem a actividade administrativa (artigos 267.°, 268.°, 270.°, n."s 1 e 4, e 271.°), a par de outros que contemplam o respeito dos direitos e garantias (8) dos administrados e dos funcionários e agentes (artigos 20.°, 206.°, 269.°, 270." e 271.°). Também na parte i —Direitos e deveres fundamentais — iremos encontrar nos títulos i e il preceitos respeitantes à Administração, como, por exemplo, os artigos 21.° (responsabilidade civil do Estado), 24.° (Provedor de justiça), 35.° (utilização da informática), 48.°, n.os 3 e 4 (participação na vida pública), e 49.° (direito de petição e acção popular).
De entre os direitos e garantias dos administrados (n.° 1 do artigo 269." da Constituição da República Portuguesa) contam-se o direito de ser informado sobre o andamento de processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as decisões definitivas que sobre eles forem tomadas, a par da garantia de recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios. Tais direitos e garantias decorrem, em boa medida, dos princípios da legalidade, justiça e imparcialidade aos quais está submetida a Administração.
5 — Da necessidade de reforçar as garantias da legalidade administrativa e os direitos dos administrados perante a Administração surgiu o Decreto-Lei n.° 256-A/77, de 17 de Junho, aprovado ao abrigo da autorização legislativa conferida pela Lei n.° 24/77, de 18 de Março. Entre as medidas contempladas des-
(') O próprio artigo 2." refere-se a regulamentação aprovada «até à publicação da lei de bases da função pública».
(') Os anteprojectos seriam enviados às referidas organizações por intermédio do respectivo Gabinete ou da Dirccção--Gcral da Função Pública.
(') Fundamentalmente políticas, a par das graciosas e contenciosas. V., a propósito. «Breve comentário ao diploma sobre as garantias de legalidade administrativa e dos direitos individuais dos cidadãos perante a Administração Pública», do Dr. Sebastião da Costa Pereira, adjunto do Procurador--Geral da República, edição policopiada da Secretaria-Gcral da Presidência do Conselho de Ministros, pp. 4 e seguintes.
tacam-se, pelo interesse de que se revestem para o caso sob apreciação, a da obrigatoriedade de fundamentação dos actos administrativos que total ou parcialmente neguem, extingam, restrinjam ou por qualquer modo afectem direitos ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções [alínea a) do n.° 1 do artigo 1.°], e a da obrigatoriedade de fundamentar actos que afectem, de igual modo, e no uso de poderes discricionários, interesses legalmente protegidos [alínea b) do mesmo preceito].
Os actos administrativos de transferência e exoneração até então sujeitos ao regime que descrevemos passaram, por conseguinte, a ter de ser encarados por uma óptica diferente no que se refere à respectiva fundamentação. E isto porque se passou, efectivamente, de uma situação em que apenas no caso de a lei exigir neste ou naquele sector a fundamentação do acto é que a falta de motivação poderia constituir a preterição de formalidade essencial, ou seja, sem a qual o acto poderia ser impugnado por legalidade, para uma situação distinta em que a fundamentação expressa é sempre legalmente obrigatória (9), de acordo com o que determina o artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 256-A/77, nos seus n.os 1, 2, 3 e 4. Apesar de o n.° 1 do artigo 2° do citado diploma se reportar, de harmonia com a previsão constitucional (artigo 269.°, n.° 2), ao recurso contencioso com base em ilegalidade, a regra da alínea b) do n.° 1 do seu artigo 1.° refere-se, unicamente, à fundamentação dos actos, razão pela qual dela se não poderá inferir a imposição de recurso contencioso quanto à generalidade dos actos administrativos praticados no exercício de poderes discricionários. Independentemente do modo como possa ser encarada a questão de recorribilidade (l0), o que parece inquestionável, perante o regime do Decreto-Lei n." 256—A/77, é a indispensabilidade de motivação do acto ("). Poderemos, em conclusão, afirmar que o Decreto-Lei n." 256-A/77 impõe a obrigação de fundamentar os actos constitutivos (todos os actos constitutivos), entendidos estes como actos administrativos dos quais resultem alterações na esfera jurídica de outrem — nas modalidades de actos constitutivos de direitos (quando essas alterações consistam na criação ou modificação de poder jurídico ou na extinção das restrições ao seu exercício) e de constitutivos de deveres quando se traduzam na imposição do dever de prestar coisas ou serviços ou de cessar actividades) (").
Daí que os actos de transferência e exoneração hajam sido abrangidos pelo Decreto-Lei n.° 256-A/77.
(') V. Dr. Costa Pereira, ob. cit., p. 14.
(") Tendo em linha de conta o âmbito do n.° 2 do artigo 269.° da Constituição da República — «quaisquer actos ...»; v., a propósito, A Constituição e a Defesa dos Administrados, do Dr. Guilherme da Fonseca, p. 13.
(") Nesse sentido se pronuncia o Dr. Costa Pereira, ob. cit.. p. 38. ê também a posição assumida pelo Dr. Oswaldo Gomes na obra Fundamentação do Acto Administrativo, quando escreve, na p. 60. «que enquanto os actos praticados no exercício de poderes vinculados deverão ser fundamentados sempre que, por qualquer modo. afectem direitos ou deveres ou imponham encargos ou sanções, os actos praticados no exercício de poderes discricionários têm ainda de ser fundamentados quando afectem interesses legalmente prolegidos».
(I!) Manual de Direito Administrativo, do Prof. Marcelo Caetano, 10." ed., t. i, p. 454.