O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

282-(22)

II SÉRIE — NÚMERO 12

Art. 2.u O presente diploma vale como lei interpretativa do Decreto-Lei n.° 256-A/77, de 16 de Junho.

Começaremos por notar que, com a aprovação do Decreto-Lei n.° 191-F/79, estava ínsita no seu artigo 4.° a alegação da conveniência de serviço como fundamento para a cessação, a todo o tempo, das comissões de serviço (e por maioria de razão das transferências do pessoal dirigente, embora estes últimos actos não alcancem apreciável relevo na prática), não tendo neste ponto sido trazida alguma novidade pelo Decreto-Lei n.° 356/79. Tal ponto de vista decorre, como referimos atrás, do entendimento de que, sendo o poder discricionário um poder legalmente conferido à Administração com vista à realização de fins de interesse público, não obstante a margem de liberdade que lhe é atribuída na escolha de soluções para alcançar aqueles fins, não poderá traduzir-se numa actuação que se não conforme com os objectivos visados pela lei que confere aqueles poderes, isto é, numa actuação reveladora, de arbítrio ou discriminação.

A inovação trazida reside, precisamente, na suficiência da simples alegação da «conveniência de serviço» — sublinhamos —, como fundamento para os actos de exoneração e transferência dos «funcionários» exercendo cargos superiores na Administração Pública basta, pois, na óptica do diploma, a simples referência à «conveniência de serviço» para se ter por fundamentado o acto de exoneração ou de transferência dos titulares dos cargos de chefia da Administração, com total dispensa dos factos que a integram. Se, como vimos, a nomeação para os cargos dirigentes era e continua a ser uma faculdade discricionária atribuída ao Executivo nenhuma novidade trouxe, portanto, o Decreto-Lei n.° 356/79, a respeito das exonerações e das transferências (por maioria de razão) «praticados legalmente no uso de poderes discricionários».

Na prática, sempre se trata do exercício de poderes discricionários nas nomeações «de funcionários do escalão superior da Administração Pública», antes e depois do Decreto-Lei n.° 191-F/79. O que o diploma em causa parece ter querido evitar foi a referência expressa, no respectivo articulado, ao pessoal superior, de escalão superior ou dirigente da Administração, preferindo — talvez por uma questão de pudor político — a menção aos actos praticados no exercício de poderes discricionários.

Contudo, o elemento novo consiste, como referimos, na suficiência de mera alegação da «conveniência de serviço» para motivação daqueles actos administrativos, ainda que a pretexto da interpretação do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 256-A/77.

Com efeito, a partir do momento em que foi reposto em vigor o Decreto-Lei n.° 356/79, basta ao autor do acto de exoneração ou transferência lançar mão da «conveniência de serviço» sem ter de se preocupar com os elementos constitutivos daquele conceito. As chefias da Administração passaram a ficar sob total e absoluta dependência do Executivo, dependência que, não obstante a existência de texto de lei (o artigo 1." do Decreto-Lei n.° 356/79), é passível de ser interpretada também como «poder arbitrário», na medida em que se trata de faculdade que dispensa motivação do autor do acto — enquanto constitui mera remissão para um conceito de direito que não

carece de ser integrado— e não consente qualquer tipo de reacção ao respectivo destinatário que não consista na simples tomada de conhecimento da decisão de exoneração ou de transferência (a).

IV—1 — Nesta medida, e face à evolução legislativa vinda de analisar, impossível se torna admitir em sede interpretativa das leis que o Decreto-Lei n.u 356/79 seja interpretativo —pese embora a redacção do seu artigo 2.°— do Decreto-Lei n.° 256-A/77. O primeiro diploma representa, pelo contrário, um nítido retrocesso no âmbito das garantias de legalidade administrativa que o segundo consagrou.

Desde logo, pela simples razão de conter em si um comando inovador e restritivo do artigo 1.° do diploma «interpretado». É que onde havia obrigatoriedade de fundamentar actos constitutivos (de direito e deveres), dos quais a exoneração e a transferência são exemplos, perante a redacção clara e inequívoca da letra do preceito e orientação da jurisprudência da nossa mais alta instância administrativa í.23), passou a lei posta em crise a satisfazer-se única e simplesmente com alegação da «conveniência de serviço». Dispensado de indicar os motivos da decisão — tomada no uso de poderes discricionários — o autor do acto torna-se, praticamente, o único juiz na prossecução do interesse público através do exercício daqueles poderes, porquanto deixa de ser possível a demonstração do vício de desvio de poder, a partir do momento em que se omitem os motivos que serviram de esteio à decisão — ou seja, a aferição desses motivos pelos fins visados pela lei que atribui tais poderes (o Decreto-Lei n.° 191—F/79), fins entre os quais se contam a modernização e a eficácia da Administração assegurados por regras de competência.

Ora o Decreto-Lei n.° 356/79, limitando a fundamentação dos actos de exoneração e transferência dos cargos dirigentes da Administração à mera alegação da conveniência de serviço, é susceptível de abrir caminho a práticas que se não ajustam, de modo algum, àqueles fins, sem que seja possível controlar contenciosamente o exercício dos poderes discricionários que aqueles actos envolvem. Entre tais práticas não estará posta de parte a do «saneamento indirecto» já não consentido pelo artigo 310." da Constituição — e consequente partidarização injustificada do aparelho de Estado, em detrimento da competência, que urge evitar.

2 — O significado linguístico nítido e preciso do artigo 1.° do Decreto-Lei n.u 256-A/77 apenas consentia interpretação no sentido da necessidade de serem motivados, entre outros actos administrativos definitivos e executórios, os de exoneração e transferência, sem distinção. Porém, o Decreto-Lei n.° 356/ 79, sob a forma de interpretação autêntica, em lugar de reproduzir em termos mais claros e precisos a lei, artigo 1.° do Decreto-Lei n.u 256-A/77, desviou-se intencionalmente dela, sem atender ao seu conteúdo originário, introduzindo um princípio novo — fundamentar através de remissão para o conceito de conve-

(a) Encontramo-nos, assim, bem distantes dos princípios que devem nortear o exercício de poderes discricionários, constantes da Recomendação do Conselho da Europa.

(") Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Dezembro de 1978 (Acórdãos Doutrinais, n.° 208, p. 436) e de 30 de |unho de 1977 (Boletim do Ministério da fustiga, n.° 271, p. 262).