O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

996

II SÉRIE — NÚMERO 40

Na verdade, 10 anos decorridos sobre o 25 de Abril, o direito de acesso ao direito é ainda para milhões de portugueses um dos direitos mais ignorados, sinal inequívoco do crescente fosso entre a ampla consagração constitucional dos direitos fundamentais e a sua realização prática. Trata-se, porém, de um sinal entre sinais, tão evidente e intensa se revela hoje a violação dos direitos económicos, sociais e culturais, de tal forma campeiam e alastram limitações a liberdades civis e políticas (enquanto se vão urdindo, surdamente, outras, ainda mais graves e perigosas).

Num país em que a fome é realidade para demasiados cidadãos e o salário falta impunemente a milhares de homens e mulheres que por ele trabalham, haver ainda direitos por descobrir quase surpreende quem se defronta com uma dramática falta de meios quando quer defender os poucos direitos que conhece. É, porém,'o que decorre do actual quadro legal. O sistema de assistência judiciária e defesa oficiosa em processo penal ainda vigente é insofismavelmente la-cunoso, incompleto e substancialmente ineficaz, assente todo ele na retrógrada concepção segundo a qual os advogados devem prestar, a título gratuito ou com muita problemática remuneração, os serviços jurídicos de que carecem os cidadãos que não os possam pagar. Sendo impensável levar à prática a imposição ficcionada pela lei, poupa-se aos advogados o peso de uma injustiça ao preço enorme de a suportarem os cidadãos que a lei manda proteger sem para tal garantir os meios necessários.

E uma situação insustentável. O Estado não pode adiar por mais tempo o cumprimento do seu dever de organizar as estruturas jurídicas e técnicas que alterem as diversas facetas deste quadro injusto e obsoleto, garantindo plenamente aquilo que a Constituição neste domínio quis que fosse reconhecido a todos.

2 — Com efeito, na sua redacção actual, o artigo 20.° da Constituição da República estabelece, sob a epígrafe Acesso ao Direito e aos Tribunais:

1 — Todos têm o direito à informação e à protecção jurídica, nos termos da lei.

2 — A todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

Ao consagrar inequivocamente o direito à informação e protecção jurídica, a Lei Constitucional n.° 1/82, de 30 de Setembro, veio colmatar, por votação unânime, uma das lacunas mais importantes da Constituição ao tocante ao elenco dos direitos fundamentais.

O artigo 20.° da Constituição representa simultaneamente uma importante garantia da igualdade dos cidadãos e uma expressão basilar do princípio democrático, & tal ponto que bem pode dizer-se que o Estado de direito democrático estará por realizar enquanto existirem direitos definidos na lei, sem que a maior parte dos cidadãos possa exercê-los ou ter sequer consciência deles.

£ o que hoje sucede e é esta situação que há que alterar garantindo a informação, a consulta jurídica e o patrocínio. A actual situação resulta, porém, de múltiplas causas, da mais variada natureza. Muitas delas decorrem de situações imediatamente transformáveis, outras de realidades económicas, sociais e culturais a

exigir mudanças e curas profundas que nenhuma lei pode, só por si, facultar. Outras ainda prendem-se directamente com a organização e funcionamento da Administração Pública e em particular do sistema da justiça, cuja situação de quase ruptura exige que não se adie por mais tempo a tão adiada reforma das leis de processo, a revisão da orgânica dos tribunais, a criação de novos e expeditos meios de dirimir litígios, a efectivação da participação popular na administração da justiça, o preenchimento de quadros e a modernização de serviços e instalações, o repensar da própria relação entre a justiça e os cidadãos que dela têm (e com razão) uma péssima imagem.

3 — Sendo certo que a explicitação, regulamentação e desenvolvimento do disposto no artigo 20.° da Constituição da República exige um vasto conjunto de providências, por vezes muito complexas, umas administrativas, outras de natureza legislativa, algumas de médio prazo, outras de carácter urgente, é sobretudo destas últimas que se ocupa o projecto do PCP e apenas das susceptíveis de contribuir directa e imediatamente para pôr cobro à vergonha da actual assistência judiciária e defesa oficiosa em processo penal, cujo carácter discriminatório e profundamente injusto é largamente reconhecido e tem, aliás, dado origem a extensos e bem documentados estudos críticos.

Também as soluções alternativas têm sido objecto de ampla ponderação e estudo. Trata-se de um domínio em que as experiências, fórmulas, soluções e questões se encontram de tal forma debatidas e equacionadas que a única inovação porventura deixada ao legislador consistirá em fazer finalmente o que até agora apenas foi muitas vezes dito, esboçado e recomendado mas nunca proposto e menos ainda efectivado.

£ esse o objectivo do presente projecto de lei.

Surgindo a meio da 111 Legislatura, o projecto do PCP é o primeiro que sobre esta matéria dá entrada na Assembleia da República. Instruído com os abundantes trabalhos preparatórios elaborados sob as mais diversas responsabilidades ao longo dos últimos 10 anos, o projecto poderá ainda assim reclamar-se de novidades — designadamente ao propor um tratamento global e integrado das questões da informação, consulta, apoio e patrocínio jurídicos. Mas o seu mérito será porventura o de dar o sinal de partida para o fim da rotina que vem envolvendo entre nós a questão do acesso ao direito e aos tribunais.

4 — A base de trabalho que o projecto do PCP representa teve em conta, como não poderia deixar de ser, os sucessivos anteprojectos sobre a matéria elaborados e mesmo certas experiências de apoio jurídico já levadas a cabo no nosso país.

a) Importará desde logo destacar os esforços desenvolvidos pela própria Ordem dos Advogados, que tendo procurado implantar um serviço de ajuda jurídica ainda antes do 25 de Abril prosseguiu depois essa acção. Não logrou, porém, aquilo que só pode ser alcançado com uma clara efectivação das responsabilidades do Estado neste domínio («funcionou quinzenalmente o gabinete de consultas jurídicas gratuitas destinado a pessoas com fracas possibilidades. Foi cerca de 120 o número de pessoas atendidas por 5 advogados» — informa o relatório e contas publicado no Boletim da Ordem dos Advogados, n.° 18, de Setembro de 1983).