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31 DE MAIO DE 1985

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Pesem embora as propostas nesse sentido apresentadas por muitos sectores (e formalizadas pelo PCP em cada debate orçamental), não foram adoptadas até à data medidas que permitam quantificar todas as receitas da vasta gama de contribuições e impostos que deixam de ser cobrados pelo Estado por força da concessão de benefícios fiscais de natureza temporária.

2.2 — Se, porém, se perguntar como são concedidos os benefícios financeiros, quem deles beneficia afinal, com que controle administrativo e fiscalização jurisdicional e política da sua legalidade e eficácia a resposta decorrente do exame da legislação vigente (quando existe!) revelará bem a inadiável urgência de uma reforma moralizadora.

a) Constando, com demasiada frequência, de meras portarias ministeriais ou até simples despachos, a exposição dos princípios e regras de muitos dos esquemas de apoio financeiro em vigor surge recheada de indefinições, aspectos obscuros e lacunas. Definem-se trâmites sobretudo para dispensar formalidades e controles. Disposições, discretamente incluídas nos preceitos finais, relegam usualmente para ulterior despacho de um secretário de Estado «a interpretação de dúvidas e a integração de lacunas do presente diploma» e liberalizam a delegação e subdelegação dos poderes de decisão conferidos ou remetem para uma regulamentação «através dos instrumentos normativos julgados mais adequados». Não raro, admite-se a pura e simples não aplicação dos regimes gerais e autoriza-se a livre decisão casuística «em situações particularmente graves» cuja identificação é deixada inteiramente ao arbítrio da entidade concedente ...

Por outro lado, a proliferação e sobreposição de esquemas em vigor propicia inextricáveis dificuldades (e facilidades!) de aplicação, não faltando mesmo diplomas que, a esse título, expressamente põem nas mãos de um membro do Governo o poder de, como entenda, negar cu conceder a título excepcional (de que é único intérprete) a acumulação de benefícios, sem que se acautele sequer a igualdade de tratamento e a não discriminação.

b) Fiscalização específica pelo Tribunal de Contas não existe! Nenhuma dúvida haverá de que o País tem direito de saber se os benefícios concedidos o foram nos termos da lei e se tiveram a eficácia pretendida. Não é seriamente questionável, por outro lado, a necessidade de que tal processo seja fiscalizado por uma entidade independente da Administração (entre nós o Tribunal de Contas). É a solução adequada nos termos constitucionais e recomendada internacionalmente, constante da chamada Declaração de Lima, aprovada pelo IX Congresso do INTOSAI em 1977 e das conclusões do VII Congresso Latino-Americano de Entidades Fiscalizadoras Superiores, realizado em Brasília, em Outubro de 1984. É também o que tem sido reclamado, com inteira razão, pelo Tribunal de Contas, cujo presidente vem de há muito alertando para a urgência de uma reforma (não bastará já a sempre anunciada reorganização!) que impeça que o Tribunal (com juízes recrutados apenas entre licenciados em Direito, com serviços de apoio insuficientes, com competências reduzidas) venha a ser relegado em breve ao papel de uma relíquia histórica, enquanto alastram os incentivos à margem da lei, as distorções dos seus fins e a galopinagem (cf. conselheiro João de

Deus Pinheiro Farinha «A função do Tribunal de Contas na sociedade democrática», Boletim Trimestral do Tribunal de Contas, n.° 19, Setembro de 1984, pp. 9-23).

É sintomático que a legislação vigente tenha como ponto de honra e objectivo fulcral o de afastar qualquer intervenção do Tribunal de Contas no processo relativo aos benefícios financeiros. Em nome de supostos imperativos de «celeridade» e «desburocratização», o sistema vigente não tem visivelmente propiciado, por exemplo, aos pequenos e médios empresários o apoio célere de que bem precisam, mas em contrapartida sabe-se como tem permitido conceder subsídios a empresas inexistentes, ou favorecer entidades que os desviam e malbaratam, ou recompensar gente a quem faltam os requisitos da lei mas sobejam os da amizade política, quando não pessoal ...

c) Expressamente afastada a fiscalização jurisdicional adequada, falta em geral aos processos o devido controle administrativo. O caso paradigmático da atribuição de subsídios a empresas pela Secretaria de Estado do Emprego sob a égide de Rui Amaral ilustra bem até que ponto pode ir a violação das mais elementares regras de legalidade, transparência e moralidade na gestão de dinheiros públicos.

A marginalização de órgãos existentes e a criação de estruturas paralelas inçadas de agentes (principescamente pagos!) de alguns dos interessados na obtenção dos benefícios, a concessão de subsídios avultados com violação de formalidades essenciais na gestão de verbas orçamentais, a inadequação dos meios de fiscalização e o efectivo impedimento do funcionamento dos existentes, a obstrução ao acompanhamento dos processos pelas organizações representativas dos trabalhadores, as campanhas de intimidação e chantagem sobre os que ousam criticar o arbítrio instituído (mesmo quando as primeiras detenções pela Polícia Judiciária vêm confirmar factos sistematicamente desmentidos pelas instâncias oficiais) — eis o que bem chega para condenar legalmente o sistema que ano após ano vem propiciando tais abusos, deixando à polícia e aos tribunais o sancionamento dos responsáveis — que constitui igualmente um factor moralizador.

3 — O maior obstáculo a uma política de disciplina, moralização e controle democrático da concessão de benefícios financeiros tem residido, porém, no Governo que mantém e alimenta o quadro legal vigente e propôs (e obteve) na Assembleia da República, com os votos do PS, PSD e CDS, a inclusão de «sacos azuis» no Orçamento do Estado e outros instrumentos para a concessão de benesses a anunciar e distribuir de acordo com os mapas e calendários eleitorais. As consequências do fenómeno são tão evidentes que um ex-líder do PSD e então Vice-Primeiro-Ministro não hesitou em reconhecer publicamente que «a burocracia nesta matéria é asfixiante e funciona, quer queiramos quer não, através das cunhas» (Rui Machete na AIP, CM, de 3 de Maio de 1985), afirmação que tem a virtude de omitir o papel decisivo da vontade governamental nas distorções e ilegalidades existentes, e descarregá-las, num artifício conhecido, sobre a «burocracia asfixiante» (mantida pelo Governo, quando não mesmo criada para asfixiar uns e oxigenar uns poucos, como prova o conhecido e já citado caso da Secretaria de Estado do Emprego).