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II SÉRIE — NÚMERO 96

Pior ainda: a mais recente prática governamental configura já e faz antever o agravamento de uma escalada de violações do dever de isenção e imparcialidade na concessão de benefícios financeiros — a mais grave de sempre, envolvendo a utilização de muitos milhares de contos para finalidades eleitoralistas, com impudente desvio de poder. O tráfico de influências, a falta de transparência dos processos, o favorecimento de interesses ligados aos processos eleitorais em preparação atingem hoje tal dimensão que o Ministério da Indústria não hesitou em anunciar a assinatura de um pacote de protocolos financeiros (um deles envolvendo verba superior a 900 000 contos) com empresas ligadas a industriais que em Vale de Cambra manifestaram a sua confiança no Primeiro-Ministro (como tiro de partida para um vasto conjunto de acções elei-torais-empresariais e vice-versa) ...

Mais do que nunca se torna, pois, necessário reforçar as garantias da legalidade da administração económica e dos direitos dos cidadãos e das empresas, por forma a assegurar o tratamento igual de situações idênticas, sem outras diferenciações que não as estritamente fundadas em reais diferenças, e com exclusão de quaisquer considerações alheias aos interesses protegidos pela Constituição e pela lei.

Ê com esse objectivo que o Grupo Parlamentar do PCP deposita na Mesa da Assembleia da República o presente projecto de lei.

4— Pretendendo estabelecer com força de lei os princípios e regras básicas a que devem obedecer os diplomas que regulem a concessão de quaisquer subsídios, subvenções e outros benefícios financeiros, a iniciativa do PCP agora apresentada consiste largamente em relações tendentes a esclarecer, sem margem para mais dúvidas, alguns aspectos que decorrendo já da lei permanecem demasiado obscuros.

Não se deixa, porém, de apresentar um certo número de inovações. Quanto a estas haverá que assinalar, no entanto, que só entre nós constituirão coisa nova. O problema universalmente decorrente das novas formas de intervenção do Estado na economia tem conduzido à generalização e multiplicação de meios e mecanismos de controle da isenção e imparcialidade da Administração Pública, com vista a assegurar a sua subordinação a fins de interesse público devidamente delimitados e sancionados pelos órgãos de soberania (e mesmo internacionais) competentes. Verifica-se, porém, que desses mecanismos alguns estão expressamente afastados na ordem jurídica portuguesa e outros consagrados na letra da lei e bloqueados na prática (caso do controle, pelos tribunais administrativos, do desvio de poder na concessão de benefícios). Dependendo este segundo aspecto sobretudo de providências organizativas e financeiras, o projecto do PCP visa essencialmente a eliminação de obstáculos legais que vêm impedindo o real controle do exercício dos poderes jurídicos discricionários da Administração.

a) Deliberadamente, abrangeu-se apenas a concessão de subsídios e outros benefícios financeiros por entidades do sector público administrativo. Deixou-se de lado a actividade desenvolvida pela banca e outras instituições do chamado sector empresarial do Estado, cujo quadro de funcionamento não dispensa moralização e transparência, mas exige meios distintos, adequados à sua natureza e fins próprios.

b) Por outro lado, visa-se especialmente o controle do exercício dos poderes discricionários da Administração na esfera económica e fiscal e das obras públicas e os mecanismos estabelecidos não se aplicam aos benefícios que resultem de direitos constituídos ou cuja concessão seja automática nos termos da lei. Estão especialmente desenhados em função dos que tenham finalidade económica, não porque aos demais não sejam aplicáveis certas regras agora enunciadas (como a obrigação de fundamentação, que faz parte do direito administrativo comum em Portugal), mas porque são particularmente gritantes as carências sentidas quanto ao controle do exercício dos poderes jurídicos discricionários da administração económica e de obras públicas.

c) Da vasta gama de benefícios financeiros existentes, tanto de natureza positiva como negativa, são objecto de regulamentação unicamente os que obedecendo aos requisitos atrás referidos se configurem, por um lado, como prestações pecuniárias não reembolsáveis (total ou parcialmente) ou reembolsáveis sem existência de juro ou com juro reduzido ou, então, como isenções, reduções de taxa ou deduções de carácter fiscal ou parafiscal. Entendeu-se, crê-se que justificadamente, deverem ser regulados noutra sede tanto o regime jurídico dos avales (bem carecido de revisão que garanta a legalidade e o mérito económico e financeiro das operações avalizadas e impeça o endividamento indiscriminado do Estado) com os múltiplos regimes de concessão de facilidades no cumprimento de obrigações legais e convencionais (que proliferam sem critério, nem arrimo, exigindo providências que transcendem em muito o âmbito possível do projecto agora apresentado).

d) O quadro traçado assenta em preocupações de certeza, segurança e transparência, mas não subalterniza, antes acautela, imperativos de celeridade, que podem legitimar a dispensa de certas formalidades. Questão é, evidentemente, que a definição legal das circunstâncias justificativas da omissão de um controle não acabe por abrir portas que devem permanecer fechadas. Por isso mesmo, o regime previsto só consente, por exemplo, a dispensa da intervenção prévia do Tribunal de Contas quando se trate de apoiar empresas que por virtude de catástrofe ou outras ocorrências graves como incêndios, inundações, explosões ou sismos vejam total ou parcialmente paralisada a sua actividade, com desocupação temporária de trabalhadores. Quanto às restantes, a celeridade desejável não é incompatível com a submissão a prévia fiscalização, que para todos os efeitos deve ter carácter urgente.

e) Quanto às regras e princípios que se considera deverem enquadrar a concessão dos benefícios abrangidos, vale a pena assinalar os traços principais do projecto do PCP, salientando-se, designadamente:

A definição dos contornos a que devem obedecer os diplomas que aprovem esquemas de apoio financeiro, procurando não só acautelar o respectivo conteúdo mínimo como a forma. Tendo em conta o disposto no novo artigo 115.°, n.° 6, da Constituição, estabelece-se que quando não constem de lei ou decreto-lei os regimes de apoio devem ser aprovados por decreto regulamentar, o que alarga o número de membros do Governo envolvidos no processo e impede