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II SÉRIE — NÚMERO 38
Estabeleceu-se ainda um regime mais expedito para a efectivação de providências cautelares. Da aplicação do regime geral de processo advém, com efeito, a sua tendencial inoperacionalidade.
O caso é que, nos portos dos países estrangeiros, os navios portugueses podem ser arrestados em poucas horas e em qualquer dia da semana através de um mecanismo processual simplificado e praticável. Ao invés, nos portos portugueses, quando a providência incide sobre navio estrangeiro as contingências e as demoras são a regra; com frequência, o credor português está impedido de ver decretada em tempo útil a providência requerida. Ora, quando se pensar que os armadores portugueses operam actualmente com elevada percentagem de navios estrangeiros afretados e que, na execução desses contratos de fretamento, os litígios se sucedem, até pela tendencial «incolumidade» dos contraentes estrangeiros, não se poderá pôr dúvida quanto à pertinência do regime agora estabelecido. O mesmo se passa, aliás, com a utilização de navios estrangeiros para a execução de contratos de transporte de produtos importados, no tocante a importações de relevante peso económico, como de oleaginosas, cereais, carvão e petróleo. Os contraentes portugueses ficam quase sempre sem protecção adequada, em termos práticos, aquando do incumprimento dos contratos em causa.
6.2 — Não se ignora que a opção assim tomada em matéria de competência internacional não é incontro-vertível. Em seu desabono poderá aduzir-se que com ela se favorecem os interesses dos carregadores e dos seus seguradores. Só que, como é geralmente sabido, a história das últimas décadas do direito marítimo tem sido o desenrolar de uma sistematizada colisão posicionai entre os interesses dos carregadores (sobretudo de matérias-primas) e seus seguradores e os interesses dos transportadores. É o que, designadamente, repercute na Convenção de Bruxelas de 1924 sobre Conhecimentos de Carga e, mais recentemente, nas Regras de Hamburgo de 1978, estas declaradamente intencio-nalizadas a proteger os interesses dos carregadores.
Está, pois, em causa uma opção de política legislativa, fundada na específica realidade portuguesa e nos interesses que, em vista dela, o sistema jurídico deverá acautelar.
Dela, aliás, não decorre a inviabilização do que for pactuado quanto à solução dos diferendos por meios não judiciais, ou seja, através do recurso a mecanismos de arbitragem. O que importa é que em breve estes possam ser descomplexificados. Incidentalmente se sublinhará que se encontra em adiantada fase de elaboração o diploma legal que reformulará o Decreto--Lei n.° 243/84, dc 17 de Junho, dentro da mesma óptica da dejurisdicionalização e de simplificação da arbitragem; como já foi acentuado, há que intensificar «as largas virtualidades da arbitragem, não apenas para compor litígios ingressados em fase, por assim dizer, contenciosa, mas como técnica para os evitar, aperfeiçoando e actualizando contratos já estabelecidos, acerca dos quais não ocorram diferendos». A arbitragem comercial internacional ocupará, no novo sistema, um predominante espaço; para tal, será de encarar a necessidade em aderir à Convenção de Nova Iorque de 1958.
Ora, passa como moeda corrente que a arbitragem marítima internacional está em continuada expansão. E dá-se, para mais, o caso de a esmagadora maioria
das decisões arbitrais internacionais ser voluntariamente acatada. Como já em 1960 Charles Carabiber informava, 80% a 85% das decisões arbitrais internacionais são voluntariamente acatadas (L 'arbitrager Internationale de droit privé, p. 16). E esta quase geral aceitação subirá, por certo, de ponto no domínio do direito marítimo; é o que, por exemplo, referiu Jambu--Merlin cerca de vinte anos volvidos «L'arbitrage mari-time», em Études offertes à René Rodière, 1981, p. 407). É iniludível a autoridade da London Maritime Arbitrator's Association (verdadeiro centro da arbitragem marítima mundial), da Chambre Arbítrale Maritime de Paris, da Society of Maritime Arbitrator's, de Nova Iorque, ou da Japan Shipping Exchange, de Tóquio. Numa perspectiva ainda mais declaradamente internacionalista, potencia-se, complementarmente, a acção do centro de arbitragem marítima criado em 1978 pelo Comité Maritime International em cooperação com a Câmara de Comércio Internacional; o regulamento que rege esse Comité International d'Arbitrage Maritime (CCI-CMI) prevê, aliás de uma forma não limitativa, que a sua actividade incida sobre as questões relacionadas com os contratos de fretamento, com os contratos de transporte marítimo ou combinado, com os contratos de seguro marítimo, com a assistência e salvação, com as avarias comuns, com os contratos de construção e de reparação de navios, com os contratos de venda de navios e com os contratos que criem direitos reais relativos a navios.
Não se diga, pois, que a opção agora feita em sede de competência judiciária entorpecerá a maleabilidade da contratação ou coarctará a livre disponibilidade das partes.
7 — Quanto à competência dos novos tribunais marítimos, aditaram-se à enunciação feita no artigo 4.° da proposta de lei n.° 106/III, que, de resto, sempre comportava (e continua a comportar) a cláusula geral da actual alínea t), algumas matérias específicas. Visou-se com isso clarificar e tornar mais preciso o elenco antes textualizado.
Assim, e exemplicativamente, constatou-se que a referência a «contratos de fretamento», feita na alínea j) do artigo 4.° daquela proposta de lei, resultaria insuficiente. Com efeito, para além do contrato de fretamento, outros se perfilarão, tendo como objecto a utilização ou exploração de navios; esse, nomeadamente, o caso do leasing. Quanto a este contrato, fez-se uma opção que, sendo apenas terminológica, revela a necessária recomposição de alguns dos diplomas avulsos que presentemente regem o direito comercial marítimo; isto no sentido de conferir adequada coerência ao ordenamento jurídico. É que a designação usada no Decreto--Lei n.° 287/83, de 22 de Junho, para o leasing de navios foi a de «fretamento em casco nu, com opção de compra». Só que em parte alguma do mundo é assim chamado; bem ou mal, a designação perfilhada em Portugal (nos Decretos-Leis n.os 135/79 e 171/79), foi, por influência da locazione finanziaria italiana, a de locação financeira.
É ainda de referir que nessa mesma alínea se faz agora alusão aos contratos de utilização marítima de navios; isto porque nem sempre a locação de navios, embarcações ou outros engenhos flutuantes se enquadrará no direito comercial marítimo; basta, com efeito, pensar na utilização de navios transformados em hotéis ou em museus flutuantes ou no caso das plataformas offshore, para exploração petrolífera, para dessalini-