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II SÉRIE — NÚMERO 88

(alidade dos agricultores de profissão, e por tudo isto aquela que acabou por se impor, é a que consiste na associação cooperativa dos próprios mutuários, por aplicação bem típica do princípio da «dupla qualidade». Graças a tal «descoberta» —porque, na verdade, de uma autêntica descoberta social se tratou —, surgiu c rapidamente se expandiu petos mais diversos países todo um sistema novo de crédito que passou a ser conhecido por «credito agrícola mútuo».

A organização fundamental deste sistema de crédito é chamada «caixa de credito agrícola mútuo», que vem a ser uma cooperativa local constituída por um número reduzido de associados todos entre si conhecidos e mais ou menos intimamente relacionados e dispostos a garantir, quer através da simples fiança colectiva, quer também pela totalidade dos respectivos haveres, os empréstimos que cada associado pretenda efectuar junto da cooperativa com conhecimento e concordância dos restantes. A finalidade destas associações não é a obtenção de lucros para elas próprias, nem sequer de execedentes a retornar aos associados, mas tão-somente a de estes conseguirem para si mesmos crédito mais fácil e outorgando sob condições mais favoráveis do que se o fizessem a título individual. As seguintes palavras de João Ulrich, no seu livro O Credito Agrícola em Portugal, pintam eloquentemente os benfícios c as justificações do crédito agrícola mútuo:

[...'] desde que diversas pessoas associadas se prestem a responder pelo compromisso tomado, as hesitações e incertezas não mais terão razão de ser. O risco da insolvabilidade desapareceu, visto os credores terem os seus capitais garantidos pelos haveres do devedor e dos seus consórcios, e o compromisso que a associação espontaneamente se prontificou a assumir — prova evidente da confiança que a pessoa do devedor merece — dissipará, forçosamente, toda a sombra de dúvida que no espírito do capitalista ou banqueiro surja. Demais, aos agricultores, geralmente residentes no campo, onde todos se conhecem c sabem avaliar a justa reputação e dos haveres de cada um, é em extremo fácil e proveitosa a mútua cooperação, que, no dizer de Wolf, valoriza títulos de outra forma impossíveis de utilizar. Os lavradores, robustecidos pela confiança que a recípocra estima justifica, auxiliados pela mutualidade de interesses que os guia, de bom grado se prontificarão a auxiliar o vizinho embaraçado, lembrados de que ocasião virá em que eles próprios, hoje fiadores, serão amanhã os afiançados. Esta reciprocidade de obrigações, aquela troca de serviços, é a base de todas as instituições de crédito agrícola que no passado se instituíram e presentemente florescem.

A cooperação, a mutualidade, criando garantias novas, lançando mão do que, isoladamente, nada vaíia, reunindo aqueles a quem nenhum banqueiro confiava seus capitais, cria um devedor colectivo — permila-se-me a expressão — em que todos podem fiar-se. Estreitando os íntimos laços que entre si uniam os diferentes indivíduos que de futuro hão-de reciprocamente valer-se, trans-forma-os de devedores insolventes em mutuários merecedores de crédito, a quem os novos encargos insensivelmente levarão a honrar os compromissos

tomados, não os deixando esquecer de que o devedor é, ao mesmo tempo, fiador de si próprio. Assim se fortalece o crédito pessoal do agricultor, permitindo-se-lhe o uso de garantias que aos credores plenamente satisfazem.

As instituições locais de crédito agrícola mútuo, as «caixas», provieram da Alemanha. Foi este país que deu o exemplo, que foi o primeiro a criar e fazer prosperar as mais típicas organizações de crédito agrícola associativo. Já no século xvin se sabe da existência na Prússia de associações constituídas entre proprietários rurais destinadas à obtenção de crédito predial. Mas as agremiações mais características, as tais que serviram de exemplo, que corresponderam a um modelo universalmente imitado, só surgiram nos meados do século xtx: trata-se das caixas Raiffeisen.

Raiffeisen, burgomestre de uma pequena cidade da Prússia, movido, ao que consta, por imperativos religiosos (era também pastor protestante), verificando que as associações de crédito à data existentes no seu país não serviam senão os agricultores mais afortunados e em nada protegiam os mais pobres contra os usurários que implacavelmente os arruinavam, fundou cm 1849 uma sociedade cooperativa de crédito agrícola. Tal sociedade serviu de modelo a inúmeras outras, na Alemanha c em vários outros países, a tal ponto que existem hoje mais de 100 milhares de cooperativas do tipo por ele ideado, conhecidas geralmente por «caixas Raiffeisen», tipo este que, na autorizada opinião de C. Gidc, representou uma solução definitiva do problema da organização do crédito agrícola. As características essenciais das caixas Raiffeisen típicas são as seguintes:

1." Cada associado é responsável por todos os outros produtos em relação a todas as dívidas por estes contraídas para a associação.

Trata-se do famoso princípio da responsabilidade solidária ilimitada, geralmente considerado como uma verdadeira «invenção social» c que é a base destas instituições. A sua aplicação prática verifica-se da seguinte forma: o associado que solicita um empréstimo c obrigado a apresentar dois fiadores escolhidos entre os associados: no caso de, vencido o prazo, não honrar os seus compromissos, a caixa dirige-se aos fiadores, ou seja aos responsáveis mais imediatos; se estes, por sua vez, falharem, entra em jogo o princípio da solidariedade ilimitada, nos termos do qual o encargo de reembolsar a dívida é repartido entre todos os associados. A experiência provou, afirma C. Gide, que este sistema de garantias é suficiente para levantar biliões no mercado financeiro;

2." Para efeitos de admissão de associados atribui-se valor decisivo aos requisitos de ordem moral, ou seja, à reputação que os candidatos tenham de honestidade, capacidade e zelo;

3.a A área de influência da caixa deve ser bastante restrita: uma aldeia ou, quando muito, uma pequena vila, onde toda a gente se conheça ou, pelo menos, facilmente se possa conhecer; este aspecto é reputado essencial,