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10 DE ABRIL DE 1987

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tassem. Com uma excepção: as águas nascidas em solo dos corpos e corporações administrativas continuaram a pertencer-lhes, segundo se depreende, com toda a segurança, da redacção do artigo 87.° daquele diploma, que era a seguinte: «As águas minerais dos corpos e corporações administrativas podem ser administradas directamente ou adjudicadas em hasta pública, mediante autorização do Governo.»

Guilherme Moreira entendeu esta disposição no sentido de ela querer resolver, em benefício dos corpos e corporações administrativas, o direito de propriedade sobre as nascentes, pelo menos quanto às que estivessem a explorar à data da publicação do diploma ou viessem a descobrir depois. Para o efeito, seria indiferente o modo por que a exploração se estivesse a fazer, e, em qualquer caso, essas instituições deviam ter-se por dispensadas de requerer, no prazo de seis meses a contar da publicação do diploma, concessão pelo Governo, como exigia genericamente o artigo 89.°5.

Esta doutrina é conforme ao sentido do texto e contexto da lei e aos princípios a ter em conta na sua interpretação.

Com efeito, em primeiro lugar, o artigo 87.° integrou-se no capítulo do diploma subordinado à epígrafe «Disposições gerais e transitórias», circunstância que deve levar-nos a atribuir-lhe o papel de delimitar o âmbito de aplicação do regime instituído para as águas mineromedioinais. Isto significa que a hipótese do artigo ficou submetida a um regime coincidente com o regime anterior.

A própria letra do preceito, em segundo lugar, aponta claramente na mesma direcção: a fórmula «as águas dos corpos e corporações administrativas» exprime a ideia de que as águas em causa continuaram a pertencer aos corpos e corporações administrativas.

Em terceiro lugar, a transferência para r propriedade do Estado das águas mmeromedicinais em geral, pelo menos das já exploradas, foi uma espécie de confisco (visto ter-se operado sem qualquer indemnização aos anteriores proprietários) qut só deve admitir-se para as hipóteses (e são a generalidade) em que a desapropriação é, no plano da letra da lei, manifesta, isto é, para os casos em que o diploma fez valer claramente esse princípio, e tal clareza, como acabamos de ver, está longe de verificar-se no que toca às hipóteses contempladas no artigo 87.° A clareza é, ao contrário, no sentido de este artigo ter excluído as águas mineromedicinais dos corpos e corporações administrativas desta espécie de confisco6.

Em quarto lugar, as instituições a que se refere o artigo 87.° encontram-se, pela sua própria natureza, afectas à realização de interesses públicos e só deles. O atribuir-lhes a titularidade do direito de propriedede sobre tais águas e do direito à sua exploração significa, do mesmo passo, garantir-lhes um meio que naturalmente possibilita melhor realização deste interesse. Isto tanto mais quanto é certo que da manutenção desses direitos não proviriam uioonvenientes para a satisfação do interesse público específico ligado ao valor terapêutico das águas mineromedicinais. Mercê de se manter em vigor o artigo 60° do Regulamento de

* Cf. ob. cit., p. 440.

4 V., no mesmo sentido também, Veloso de Almeida, ob. cit., p. 445.

1894 (em virtude de faltar no Decreto n.° 5787-F disposição que o contrarie)7, o Governo sempre seria chamado a exercer aqui o seu controle, expresso em autorizações e aprovações.

Por estas razões, em conclusão, impõe-se entender que o Decreto n.° 5787-F não alterou em nada a situação jurídica das nascentes das águas mineromedicinais dos corpos e corporações administrativas. Estas continuaram a pertencer, na vigência deste diploma, a quem antes pertenceram, no domínio do Código Civil de 1867 e do Decreto de 30 de Setembro de 1892.

O mesmo se tem de dizer quanto às consequências, nesta área das fontes e nascentes de águas mineromedicinais, da publicação do Decreto n.° 15 401, de 17 de Abril de 1928. Este diploma, no seu artigo 2.°, reafirmou o princípio de que o direito de propriedade das nascentes de águas minerais pertence ao Estado, mas ressalvou que estas possam pertencer a corporações administrativas ou instituições de beneficência (artigo 79.°).

Como nota Veloso de Almeida \ na expressão «corporações administrativas», usada neste preceito, deveriam compreender-se as autarquias locais, à semelhança do que acontecia na legislação anterior a 1919 (artigos 2.° e 59.° do Decreto de 30 de Setembro de 1892; Regulamento de 5 de Julho de 1894, artigos 1.° e 60.°). Também nesta legislação (disposições referidas) não figurou a fórmula «corpos administrativos», que só o Decreto n.° 5787-F introduziu, e não deixa de se entender que estes estavam incluídos na locução «corporações administrativas».

Todas as considerações que fizemos, no sentido de que a esta espécie de entidades pertence a propriedade das nascentes mineromedicinais que brotam nos seus terrenos, poderiam ser de novo aqui chamadas à colação. Acrescente-se que, se o legislador de 1928 quisesse afastar a solução da propriedade das «corporações administrativas» sobre as águas mineromedicinais que brotam em terrenos seus (solução sustentada pela pena autorizada de Guilherme Moreira), teria naturalmente que a justificar no preâmbulo do diploma, tanto mais quanto é certo que essa modificação iria contra o direito tradicionalmente estabelecido e seria particularmente chocante, «confiscando» às autarquias um importante elemento do seu património.

O artigo 49.°, n.° 1, da Constituição de 1933 (disposição directamente aplicável ou self executing) reafirma a solução do artigo 2.° do Decreto n.° 15 401, mas o caso especial das águas mineromedicinais das «corporações administrativas e instituições de beneficência», que o artigo 79.° do mesmo decreto excepcionava da regra do artigo 2.°, continuou a ser ressalvado, ante o disposto no § 1.° do artigo 49.° desse documento constitucional, enquanto aí se expressava o respeito pelos direitos adquiridos dos particulares sobre coisas que, por força dos vários números do corpo do artigo, foram declarados constiUwionalmente pertencentes ao domínio público do Estado. Ressalvaram-se, por conseguinte, os direitos adquiridos das autarquias locais. Com efeito, não obstante o § 1.° mencionar apenas os particulares, devia entender-se que esse termo compreendia todas as entidades, individuais ou colectivas, públicas ou privadas, diferentes

' Assim, Guilherme Moreira, ob. cit., p. 441. • Ob. cit.. p. 459.