2768-(21)
27 DE ABRIL DE 1987
na primeira instância representam o Ministério Público os delegados c os procuradores. Ou seja, a ideia de que o magistrado era um substituto ou delegado do procurador está hoje diluída.
Nos supremos tribunais —c nüo é uma questão pessoal, até porque, se hoje sou procurador-geral da República, amanha deixarei de o ser—, penso ser fundamental que se mantenha a ideia de que os magistrados substituem o procurador-geral. Isto porque, nesse caso, a ideia da indivisibilidade é uma ideia muito mais premente. Os supremos tribunais existem para dar coerência c uniformidade às decisões e para se garantir o princípio da igualdade dos cidadãos perante os tribunais.
A ideia de unidade de acção é, portanto, uma ideia muito mais premente, o que quer dizer — c as coisas não existem apenas por exigências estatutárias, mas por princípios dogmáticos e científicos— que deve ser uma pessoa, o procurador-geral, a dar unidade à acçüo dos magistrados. Os magistrados süo seus substitutos.
Penso que isso nüo é menos dignificante para os magistrados c que, por outro lado, representa cm termos práticos uma ideia que é importante, ou seja, a de que nüo é a vontade deles que determina a actuaçüo que têm nos processos, mas sim que representam um procurador-geral, sem prejuízo de lodos os princípios consignados na Lei Orgânica, nomeadamente o de cies nüo serem obrigados a agir contra a sua convicção c o de nüo deverem obediência a ordens ilegais. Contudo, quem deve fixara unidade de intervenção nos supremos tribunais é o procurador-geral.
O Orador: — Em relação à qucslão das secretarias judiciais referidas no artigo 101.°, o Sr. Procurador-Gcral da República já teceu algumas considerações, designadamente quanto à proposta competência, prevista no alínea c) do n.9 2, para proferir todas as decisões sobre custas c à virtual inconstitucionalidade dc uma solução deste tipo, pelo menos nos lermos cm que está redigida c com o alcance que 6 razoável atribuir-lhe.
Pergunto-lhe apenas se considera dc incluir aqui alguma disposição que salvaguarde especificamente o direito do Ministério Público c as estruturas específicas c próprias dc apoio, coisa que aqui se encontra omitida ou, pelo menos, não pressuposta. Não se percebe bem qual a articulação dc tudo isto com o funcionamento do quadro dc pessoal próprio do Ministério Público.
O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado José Magalhães, não sou muito sensível a uma certa guerrilha corporativa que por vezes aflora quanto ao Ministério Público.
A propósito desta lei, não posso deixar dc contar um episódio que tem o seu quê dc ridículo.
Há uns cinco anos, pediram-mc que fizesse um projecto sobre a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, que elaborei c enviei ao Governo. O Governo caiu c mudou o titular do Ministério da Justiça. O novo titular do Ministério pediu depois a outras pessoas que reelaborassem o meu projecto. Quem ficou encarregue dessa tarefa foi muito simpático comigo c não alterou nada, a não ser ter cortado iodas as normas que se referiam ao Ministério Público. Nenhuma dessas normas, mesmo a que diz que o Ministério Público représenla o Estado nos tribunais, ficou no projecto. Cortou tudo!
Penso que não há necessidade dc se referir que o Ministério Público tem órgãos dc apoio, o que já consta da Lei Orgânica do Ministério Público. Embora possa constar da lei — o que abunda não falta —, não vejo que isso seja
indispensável, desde que o Governo cumpra, como penso que vai cumprir, aquilo que ficou a constar da Lei Orgânica.
Há aqui uma norma de que hoje não falamos, mas que tem o seu quê dc polémico, que é a que diz que o procurador--gcral falará na sessão inaugural da abertura do ano judicial. Esta foi uma norma que deu lugar a guerras tremendas c foi proposta c cortada umas «mil» vezes, porque não era aceite. Trata-se do artigo 8.9
Dc resto, devo dizer que não faço muita questão nisso, embora cu lenha sido sempre apologista de que este projecto contivesse alguma coisa sobre a abertura do ano judicial. Isto porque as magistraturas vivem hoje num regime dc grande autonomia a que, segundo penso, deve corresponder uma grande responsabilidade.
Actualmente, não há porta-vozes perante a opinião pública c o poder político da responsabilidade que incumbe aos magistrados e aos seus órgãos gestores. Penso que seria imporlanlc que, pelo menos uma vez no ano, os titulares da gestão das magistraturas pudessem dizer perante a opinião pública aquilo que foi a gestão que fizeram e que não fizeram, para se exporem à censura pública e ao debate político sobre essa qucslão.
Todavia, sempre que esta norma era incluída, havia alguém que censurava discretamente o procurador-geral da República que nunca punham a falar. Um dia, o Sr. Ministro perguniou-mc o que cu pensava, e envici-lhe recortes dc leis estrangeiras nos lermos das quais o procurador-geral podia falar. Para que não dissessem que isso era apenas uma pretensão minha. Aliás, o Sr. Ministro, muito amavelmente, cila no preâmbulo a lei orgânica do poder judicial espanhol, na qual sc diz que o fiscal-gcral fará uma exposição.
Islo é muito contestado pelos magistrados judiciais, havendo episódios que não vale a pena aqui coniar cm pormenor mas que são interessantes.
Cito-lhes, por exemplo, o caso dc durante dois anos o ano judicial ter sido inaugurado no Porto sem nunca ter sido convidado o procurador-geral. Só era convidado o Presidente do Supremo Tribunal. A certa altura, os magistrados do Ministério Público disseram que não compareciam cm massa c, cnulo, o Sr. Presidente da Relação convidou o Sr. Presidente do Supremo Tribunal c o procurador-geral, mas não fez a mínima alusão ao Ministério Público, antes tendo feito dc conta que não estava presente o procurador-geral. Embora pessoalmente tivesse sido muito amável.
São pequenos fait-divers que não têm nada a ver com a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, mas que representam alguma coisa que às vezes é mais importante do que sc lê nas entrelinhas.
Há hoje um grande sector da magistratura judicial que entende que o Ministério Público nem sequer deveria trabalhar no edifício do tribunal, mas sim ter um edifício próprio. Não sc trata dc uma questão meramente portuguesa, porque isso sc verifica um pouco por todo o lado, embora —devo dizer, cm abono da verdade— sobretudo cm países cm que há uma grande ligação do Ministério Público ao poder político. É, por exemplo, o caso da Bélgica, cm que realmente os magistrados judiciais não vêem com bons olhos os magistrados do Ministério Público, dizendo que eles são privilegiados, têm uma grande ligação ao poder político, gozam dc benesses, são condecorados c apanham bons lugares.
Penso que no nosso país esta ideia já estará excluída, mas que uma vez por outra aparece uma certa reminiscência dela. Esla norma consta da proposta c representa uma