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II SÉRIE —NÚMERO 70

De facto, as perguntas comezinhas que sc formulam giram à volta dc saber quantas comarcas vai haver, sc aumentam ou diminuem, sc sc fundem, sc sc extinguem ou, ainda, sc se alteram. Será que as sedes continuam a ser as que são ou passam a ser outras? Neste caso, dentro de que regras?

Além disso, pode perguntar-se: quantos tribunais da relação vamos ter? Com que estruturas? Será que haverá secções nesse tipo de tribunais? Com que distribuição territorial e com que critérios? Qual o aparato burocrático que reúne isso? Essa criatura chamada «secção da relação» o que será? Tem carros, casa, ou é uma coisa mais modesta, isto é, uma espécie dc «rclaçãozinha», no sentido mau, que onde devia haver um palácio há uma choupana ou um anderzeco? Qual é a regra?

Na verdade, não temos respostas para estas perguntas nem para a questão dc saber qual será a articulação disto tudo com o Código de Processo Penal. E esta pergunta não é ambiciosa. Porém, formulo, dc imediato, uma outra que já é ambiciosa: qual é a relação disto com o Código dc Processo Civil revisto? Não há igulamcntc resposta neste momento, cm termos de programação dc reformas, para esta questão. Ela tem, porventura, um destinatário, mas não uma resposta possível.

Ora, é assim que o legislador com os atributos constitucionais que lhe são reconhecidos, mas não na prática, há-dc fazer o seu raciocínio sobre a reforma a empreender. Perante isto, o Sr. Vice-Prcsidcnte do Conselho Superior da Magistratura há-dc compreender a preocupação que nos tolhe neste momento. Além disso, isto é agravado por um outro facto, ou seja, a proposta dc lei, ao contrário do que pode resultar dc um certo entendimento daquilo que nos transmitiu, é disjuntiva, como, aliás, eu disse há bocado. E afirmei-o, porque esse diploma refere que os tribunais podem desdobrar-se ou não em juízos, pode haver nos tribunais judiciais dc círculo juízos privativos ou não, pode ser total ou parcialmente, podem ter secções ou não, etc. É, portanto, uma proposta dc lei inteiramente disjuntiva, o que deve maravilhar quem estudar o direito comparado e a experiência portuguesa neste campo. Contudo, a situação é pior do que isso, facto que é frisado pelas considerações que V. Ex.! acaba dc fazer, ou seja, a proposta dc lei, além dc ser disjuntiva quanto ao conteúdo, é inteiramente vaga — c nisto estou a ser gentil — no respeitante ao calendário, mais propriamente quanto à sua aplicação no tempo, que é uma das vertentes fundamentais para a questão da aplicação da lei.

Portanto, faria agora uma pergunta honesta c simples face ao problema dc saber sc os tribunais dc círculo são o pior mal do século ou, ao invés, o maior bem: onde é que há tribunais judiciais dc círculo c quais os critérios para a sua instalação?

V. Ex.' folheará rapidamente lodos os artigos da proposta dc lei e verificará que não encontrará nenhum *ritério. Mais ainda: encontrará no úllimo preceito esta norma, que, cm minha opinião, também deve ser emoldurada, ou seja, dc que o regulamento desta lei, que carimbássemos nos termos que vêm sugeridos, deveria estabelecer que a entrada cm vigor dc alguns dos preceitos da presente lei — atire-se uma moeda ao ar para sc determinar quem é que estamos a designar através desta fórmula genial — seria diferida. Mas até quando? Até ao século xxi ou xxn? É possível, pois a lei assim o estabelece.

E cm que termos? Também não sc especifica. E quanto a que? Também não sc pormenoriza.

Ora, creio que V. Ex.' compreenderá a preocupação cm relação a um esquema deste tipo, como também que me

impressione particularmente que se possa sustentar que uma reforma judídica desta importância sc realize pedindo ao legislador, ao nível dc exercer uma prerrogativa que lhe está dc todo cm todo reservada em termos constitucionais, para fazer uma reforma nestes moldes.

Além disso, pede-se que a Assembleia da República, enquanto entidade legisladora, emita a autorização para que o Governo inclua nos próximos cinco anos as verbas necessárias para este efeito. E isso cabe na competência deste órgão dc soberania, pois é ele que aprova obrigatoriamente o Orçamento do Estado — poder esse de que não nos podemos despojar. Contudo, será que a Assembleia da República poderá emitir uma autorização que não contém nenhum calendário num domínio tão fulcral?

Além disso, há um outro aspecto para o qual lhe peço que produza um comentário. É o seguinte: não lenho dúvidas dc que há um efeito que esta lei produz tal como eslá gizada. Rcfiro-mc as altas alçadas e às custas mais elevadas. Porém, admito que alguém tenha «a cabeça que cabe dentro deste chapéu». Admito, pois, que essa lei seja monstruosa, mas isto não passa dc uma opinião meramente pessoal.

Devemos também dizer francamente que o problema do funcionamento dos tribunais portugueses passa por um safanão nos cidadãos. Isto é evidente, pelo que devemos assumi-lo. No entanto, como a magistratura é uma estrutura, não vai assumir esse problema, pelo que suspirará dc alívio. Mas também não creio que seja aí que esteja a resolução dos problemas da magistratura portuguesa, dos tribunais onde cai chuva, dos magistrados que aspiram à limitação dc um número dc processos e a condições melhores de trabalho, etc.

Entretanto, a maior preocupação que incide sobre nós resulta dc um tipo de justiça que decorre de um sistema judicial que será implementado nos termos sugeridos no úllimo preceito da referida proposta dc lei, reforçado também, segundo creio, pelas considerações que V. Ex.! produziu. Ora, nessa altura, já não teremos sequer uma justiça a duas velocidades, mas sim a não sei quantas velocidades. Dc facto, teríamos a justiça das pequenas e das grandes causas, a dos julgados dc paz c a dos tribunais profissionais, a dc Macau c a do resto do território português propriamente dito, a das regiões autónomas, que sc continuaria a reger pela Lei n.9 85/77, e a do continente. E dentro desta haveria ainda a justiça dos sítios onde as reformas tivessem sido aplicadas aos bocejos c a dos locais onde tal ainda não houvesse chegado, incluindo sítios onde não cxislcm tribunais dc pequenas causas c outros onde isso sc verifica, locais onde há tribunais judiciais de círculo e outros onde não.

Entendo que um forma dc implementação de uma reforma legislativa dcsia naioreza, que sc configurasse nestas condições, além de provaivclmente violar o princípio do acesso ao direito c aos tribunais, acabaria por violar fatalmente o da igualdade e introduzir uma tal polaridade dc justiça que restariam poucos princípios constitucionais basilares sobre a aplicação da justiça.

Gostaria, pois, que V. Ex.1 nos pudesse facultar uma reflexão sobre estes aspectos, dado os conhecimentos específicos que tem e a própria importância que o Conselho Superior da Magistratura reveste. E faço-lhe este pedido porque é fácil dizer que nesta proposta de lei está a resolução dc tudo, bem como que isto é a pior coisa do mundo.

Em lodo o caso, penso que deveríamos saber que remédios é que poderão ser encontrados para que o caos não sc agrave, visto que ele é já suficientemente grave para lodos, quer sejam magistrados, advogados, cidadãos, etc.