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II SÉRIE — NÚMERO 70
realiza no próprio dia, cm que as testemunhas vem com os novos meios dc transporte, chegando no bom dia, lendo garantia do julgamento c indo cm paz com a justiça feita, pode muilo bem nüo acontecer. As audiências podem pro-longar-sc, as testemunhas podem ter dc ficar presas nos 38 km que, todavia, significam alojamento, despesas dc transporte, dc alimcntaçüo, etc. O que ó que isto significa? E uma opçüo melindrosa.
Outras opções melindrosas süo, por exemplo, os tribunais dc pequenas causas. É possível, sabc-sc que é um meio típico de descongestionamento. Devo dizer-lhe que não temos nenhum preconceito ideológico contra os tribunais dc pequenas causas, apenas sabemos que, cm certas circunstâncias, podem funcionar como elementos dc justiça dc segunda, dc terceira ou dc quarta c dc profunda injustiça, sobretudo sc nüo for acessível, sc nüo for gratuita ou quase c sc nüo tiver certas garantias dc dignidade, dc eficácia, cie. É uma opçüo melindrosa. Está na proposta, mas nüo suficientemente fundamentada, até porque não sc diz o que sejam, cm concreto, os tribunais dc pequenas causas. É suposto que venham a ser delineados c, como bem saberão, no sistema constitucional que temos 6 a Assembleia da República que tem competência para fazer essa opçüo c esse delineamento. Propõem-nos, no entanto, que o façamos cm tennos completamente vagos. Considero que aqui, mais do que uma opção melindrosa, 6 uma opçüo que, feita inconsideradamente, pode ser perigosa, 6 uma opçüo que, cin abstracto, seja sedutora c ate meritória. Em concreto, pode ser uma pcrvcrsüo.
Nüo vale a pena enunciar muitas mais, mas, por exemplo, cm rclaçüo ao princípio da especialização, longe dc nós considerar que esse princípio 6 negativo. Pelo contrário, a cvoluçüo dc uma justiça adequada, competente c eficaz aconselhará um grau determinado dc especialização. Mas isso pode significar, no funcionamento concreto da justiça portuguesa, a truncagem da carreira dc uma quantidade dc juízes, pode significar o conlinamcnlo dc certo tipo dc juízes aos tribunais dc polícia, outros aos círculos c outros aos tribunais onde foram parar. Creio que poderá introduzir uma divisão perigosa no seio das magistraturas c colocar problemas dc gcstüo do sistema também bastante perigosas.
Estas perguntas que vos fazemos c que apelam a clarificações, nomeadamente saber cm que medida ponderaram as implicações por vezes ambíguas dc certas escolas que aqui estão, procuram apenas situar-vos quão difícil é o trabalho da Assembleia da República — que, no fundo, tem a responsabilidade dc decisão — sc o papel que nos colocam não for instruído com fundamentações que dêem resposta, pelo menos, a algumas das interrogações que fizemos. O segundo grupo dc dificuldades que mc impressiona mais do que o primeiro é perspectivar as consequências dc certas opções do texto. O Sr. Dr. Borges Soeiro há pouco dizia «dêem-nos as grandes opções c nós damo-vos o regulamento», mas não podemos dar grandes opções sem ter consciência exacta das consequências. E nesse sentido precisamos dc conhecer alguns dos vossos trabalhos, não certamente o texto do regulamento na sua perfeição final, mas algumas das projecções que a Comissão terá dc ter feito para responsavelmente poder propor o que propôs.
Compreendo que isso seja difícil, porque, por um lado, as formulações cslüo cm disjuntiva c não é por acaso que o Sr. Deputado Andrade Pereira exibiu há pouco o manancial interrogativo que exibiu c com o qual estou dc acordo cm muitos aspectos. O bónus pater famílias, 0 bom legislador ou o bom leitor terá dificuldades daquele tipo.
Não está discutido sc o legislador pode ser tão disjuntivo quanto isto, ou melhor, sc é recomendável, cm lermos dc modelo legislativo, que o legislador seja assim disjuntivo. É que isso implica — sobretudo conjugado com o último artigo da proposta dc lei que o Sr. Deputado Armando Lopes citou — que não só o modelo que o Sr. Dr. Borges Soeiro vem dizendo que é dc aplicação dc forma sistemática ao lodo nacional c que é uma nova ossatura básica poderá não ser dc aplicação nacional como lambem a ossatura básica poderá ser uma para, por exemplo, Trás-os-Monics, outra para as arcas metropolitanas, outra para as regiões autónomas, outra para Macau c isto pode criar não só problemas dc desigualdade como até problemas constitucionais. Temos dc perspectivar isso. Por outro lado, não consigo perceber dc onde vem a ideia dc procurar inventar uma norma que sem a mínima cspccificaçüo prevê que alguns «indcspccilicados» preceitos possam ver diferida a sua entrada cm vigor, segundo um calendário não especificado nem revelado c segundo critérios que também não constam da lei. Digamos que a Assembleia da República alé está tolhida constitucionalmente nos lermos do artigo 168.° dc conceder autorizações legislativas cm branco, lambem não deixará dc estar tolhida dc conceder, através dc um mecanismo dc vacalio ou dc mediação dc entrada cm vigor, aquilo que seria uma verdadeira autorização cm branco, uma vez que certas partes do dispositivo legal configurado poderiam não entrar cm vigor.
Não sei sc os senhores problematizaram islo. Gostaria dc saber sc o fizeram. Como é que ponderaram este artigo? O que presidiu a ele para além da vontade dc fazer um grande regulamento muito específico c muilo bonito?
Quanio à questão do regulamento específico c minucioso c da dignidade da lei, devo dizer que tenho uma opinião frontalmente divergente cm relação à que foi expressa, c não tenho problema algum cm dizê-lo. Como este diploma vai bulir com a qucslão da organização judiciária, lambem no que diz respeito às comarcas, c vai implicar a criação dc certas comarcas — não sei sc é intenção da Comissão ou sc há propostas no sentido dc extinguir comarcas, mas gostaria que também mc esclarecessem sobre csic aspecto — como entendem que vai ler dc haver mobilidade dos diversos agentes judiciários, estas questões, isto é, a divi.são do icrriiório, a mobilidade dos magistrados, etc., não são dc somenos importância. Constitucionalmente, lambem há uma responsabilidade que a Assembleia da República ou assume directamente ou atribui ao Governo, mus nas condições do artigo 168." da Constituição. Não podemos pura c simplesmente delegar o calendário c a implantação sem, pelo menos, fixarmos critérios, instrumentos c mecanismos.
Sc os senhores dissessem, por exemplo, que anualmente até 31 dc Janeiro c cm função dos recuros inscritos no Orçamento do Estado é publicado no Diário da República, mediante decreto-lei, a lista dos tribunais das categorias A, B, C c D a criar no ano respectivo, os quadros dc funcionários, os diversos pressupostos, incluindo as instalações, etc, aí csiaria uma coisa que leria cabimento c que obedeceria às regras mínimas. Não digo que politicamente estivesse dc acordo com isso, mas provavelmente do ponlo dc vista técnico seria razoável. Mas a proposta não faz nada disso. Diz, pura c simplesmente, que haverá tribunais que poderão ser desta ou daquela maneira, que poderão ter elementos cm full-iimc c elementos cm pan-iimc, que os colectivos serão isio, mas lambem serão aquilo. Mas, dc acordo com que calendário, com que ritmo? Não sabemos. Portanto, sc a Assembleia aprovasse isto não csiaria a aprovar unia grande opção, mas sim um grande mistério.