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II SÉRIE - NÚMERO 59

A fragilidade da argumentação de Bernardo Xavier é bem patente contrapondo-a à leitura do artigo 19.°, n.os 2 e 3, da CRP, já citado. A possibilidade de um órgão de soberania limitar o exercício de um direito fundamental não poderia ser apenas lida em referência ao direito de greve. O que, levado ao limite, autoriza a inversão de toda a lógica constitucional.

III — A requisição civil — restrição legal à greve no nosso direito positivo? — Escreveram Canotilho e V. Moreira, op. cit., p. 158, que «a Constituição confiou ao trabalhador a definição dos objectivos da greve {...] todas as greves, desde que legalmente decididas pelos trabalhadores, prosseguem objectivos que cabem dentro do preceito constitucional».

Com alguma generalidade, mas no mesmo sentido, Monteiro Fernandes, ao comentar no n.° 2 do artigo 58.° da CRP («Reflexões sobre a natureza do direito à greve», Estudos Constitucionais, H, Lisboa, 1978, pp. 322 e segs.) expende que «a genérica descompressão das motivações ilícitas da greve» envolveria «um verdadeiro direito à greve em termos originariamente ilimitados — ou, melhor, desprendidos da conexão com os interesses económico-profissionais».

Alinhamos no essencial com as posições atrás referidas da doutrina e da jurisprudência; contudo, os raciocínios ali expendidos, muito embora correctos, não estão completamente desenvolvidos.

Por isso, e com melhor cabimento, o parecer da Procuradoria-Geral da República n.° 123/76-B, de 3 de Março de 1977 (Boletim do Ministério da Justiça, n.° 265), considera que o preceito constitucional do n.° 2 do artigo 58.° deve ser entendido como não comportando como lícita qualquer greve que implique a lesão de valores fundamentais da ordem jurídica. A Procuradoria entende que «a competência dos trabalhadores para definir o âmbito dos interesses a defender através da greve tem de respeitar os superiores interesses da ordem pública. Não pode, contudo, negar-se a legitimidade da greve política, pelo menos, quando cumulativamente desencadeada para protecção de interesses económicos ou sociais dos trabalhadores».

A referência a esta posição é essencial para compreender o verdadeiro alcance da requisição civil (regulada pelo Decreto-Lei n.° 637/74, alterado pelo Decreto-Lei n.° 23-A/79, de 14 de Fevereiro).

A requisição civil tem carácter excepcional e, em princípio, só pode incidir sobre empresas ou serviços públicos de carácter essencial — artigo 3.° do Decreto--Lei n.° 637/74. Do mesmo modo a sua aplicabilidade depende da constatação prévia da ilicitude do exercício do direito de greve.

Nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 8.° da Lei da Greve, em obediência ao preceito constitucional, só os sindicatos grevistas têm competência para definir e ocorrer às necessidades sociais impreteríveis em determinados sectores essenciais, mantendo em todos os sectores, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.

Só a violação desses deveres confere ao Governo o poder de determinar a requisição ou mobilização.

Até mesmo Bernardo Xavier aceita este carácter excepcional, escrevendo (op. cit., p. 96): «A requisição tem carácter excepcional para em circunstâncias particularmente graves se assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais ou de sectores vitais.» (Itálico nosso.)

Contudo, o carácter excepcional da requisição civil, se é certo que ela é (e não pode deixar de ser) imprescindível num Estado de direito com vista à protecção de outros direitos essenciais, não pode ser, por outro lado, pervertido pela banalização e pelo abuso, como notoriamente o foi nos casos de requisição civil na Carris e no Metropolitano de Lisboa.

O Governo permitiu-se aqui fazer um uso extenso relativamente à prática de anteriores governos e utilizou uma dualidade de critérios que, no mínimo, indiciam terem presidido à decisão razões de oportunidade política e não ao de assegurar a satisfação de necessidades sociais impreteríveis.

IV — Como conclusão. — Do que se escreveu resulta clara necessidade de se alterar o regime da requisição civil, de forma a torná-la inequivocamente consentânea com o texto constitucional.

Acautelando-se nessa revisão:

A) O carácter de excepcionalidade e, ainda assim, desde que e só quando seja sustentável não terem as organizações sindicais em greve assegurados os serviços mínimos nos sectores essenciais indicados na lei, isto é, estando a ser ilegitimamente exercido o direito de greve (Jorge Leite e Coutinho de Almeida, Colectânea das Leis de Trabalho, Coimbra, 1985, pp. 471 e segs.).

B) Assim a requisição civil só pode surgir em momento posterior ao início do processo grevista, quando inequivocamente se concluiu haver exercício do direito por forma abusiva, e assumindo assim a requisição civil o carácter da limitação inevitável, motivada pela necessidade de resolver a colisão de direitos para salvaguarda de valores com idêntica dignidade constitucional.

Esses limites imanentes do artigo 58.° da CRP têm de resultar no mínimo necessário e tem de concluir-se que são o único meio de satisfazer as necessidades de interesse e ordem pública que lhe subjazem.

O Assim definida a requisição civil com carácter claramente excepcional e aplicabilidade apenas circunscrita às situações e formas indicadas, o regime temporal não pode nunca exceder o limite máximo das situações de estado de emergência previsto no artigo 19.°, n.° 3, da CRP, isto é, quinze dias, ou, fora dos casos do artigo 19.° da CRP, terá de ter por isso sempre uma muito limitada vigência temporal e circunscrever-se, no máximo, ao período de duração do processo grevista sobre o qual foi decidida.

Direito sindica!

O Programa do Governo refere que o Governo se propõe rever as leis das associações patronais e das associações sindicais «dentro dos princípios de liberdade e autonomia consagrados nas convenções da Organização Internacional do Trabalho». Não há outras especificações que esclareçam que aspectos das leis pretende rever, ou que princípios das convenções internacionais considera eventualmente que as leis não estão a respeitar.

A invocação dos princípios da liberdade sindical adoptados pela OIT presta-se ao confronto com a prática do Governo.

Em 1983, os trabalhadores civis dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas constituíram um sindicato e aprovaram em assembleia os seus estatutos.